DOCUMENTOS



CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES
DE VIDA APOSTÓLICA


ANO DA VIDA CONSAGRADA 

PERSCRUTAI

AOS CONSAGRADOS E ÀS CONSAGRADAS
A CAMINHO DOS SINAIS DE DEUS 
  
“Sempre a caminho com aquela virtude
que é uma virtude peregrina:
a alegria!”

Papa Francisco
    
Caríssimos irmãos e irmãs,

1.                      Continuamos na alegria a caminhada para o Ano da Vida Consagrada a fim de que os nossos passos sejam já tempo de conversão e de graça. Com a palavra e a vida, Papa Francisco continua a indicar a alegria do anúncio e a fecundidade de uma vida vivida na forma do Evangelho, enquanto nos convida a prosseguir, a ser “Igreja em saída”,[1]segundo uma  lógica de liberdade.
Solicita-nos a deixar para trás “uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais” para respirar “o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos c entrados em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus. não deixemos que  nos roubem o Evangelho!.[2]
A vida consagrada é sinal dos bens futuros na cidade humana, em êxodo pelas veredas da história. Aceita medir-se com certezas provisórias, com situações novas, com provocações em contínuo processo, com instâncias e paixões gritadas pela humanidade contemporânea. Nessa peregrinação vigilante ela custodia a busca do rosto de Deus, vive o seguimento de Cristo, deixa-se guiar peço Espírito, para viver o amor pelo Reino com fidelidade criativa e operosidade ativa. A identidade de peregrina e orante in limine historiae lhe pertence intimamente.
Esta carta deseja transmitir a todos os consagrados e consagradas essa preciosa herança, exortando-os a “permanecer com o coração resoluto, fiéis ao Senhor” (cf. At 11, 23-24), e a prosseguir nesse caminho de graça. Queremos ler ljuntos em síntese os passos dados nos últimos cinquenta anos. Nessa memória, o Concílio Vaticano II emerge como acontecimento de importância absoluta para a renovação da vida consagrada. Ecoa para nós o convite do Senhor: “Parai nos caminhos e olhar, perguntai sobre as veredas de outrora, qual é o caminho do bem, e caminhai nele, assim alcançareis paz para a vossa vida” (Jr 6,16).
Nesse statio cada um pode reconhecer tanto as sementes de vida que, plantadas “em coração bom e generoso” (Lc 8,15), fecundaram, como aquelas que tendo caído à beira do caminho, sobre a pedra ou entre os espinhos, não deram fruto.
Abre-se a possibilidade de prosseguir o caminho com coragem e vigilância para ousar escolhas que honrem o caráter profético da nossa identidade, “forma especial de participação na função profética de Cristo, comunicada pelo Espírito a todo o povo de Deus”,[3] a fim de que se manifeste hoje “a preeminente grandeza da graça vitoriosa de Cristo e a infinita potência do Espírito Santo que opera na Igreja”.[4]
Perscrutar os horizontes da nossa vida e do nosso tempo em vigilante vigília. Perscrutar na noite para reconhecer o fogo que ilumina e guia, perscrutar o céu para reconhecer os sinais anunciadores de bênçãos para a nossa aridez. Vigiar vigilantes e interceder, firmes na fé.
Corre o tempo de dar razão ao Espírito que cria: “Na nossa vida pessoal, na vida privada – recorda o Papa Francisco –  o Espírito nos impele a tomar um caminho mais evangélico. Não opor resistência ao Espírito Santo: é esta a graça que desejaria que todos nós pedíssemos ao Senhor: a docilidade ao Espírito Santo, àquele Espírito que vem a nós e nos faz ir adiante no caminho da santidade, aquela santidade tão bela da Igreja. A graça da docilidade ao Espírito Santo”.[5]
Esta carta encontra as suas razões na memória da graça copiosa vivida pelos consagrados e pelas consagradas na Igreja, enquanto com franqueza convida a discernir. O Senhor está vivo e atuante na hossa história e nos chama à colaboração e ao discernimento conjunto, para novas épocas de profecia e de serviço da Igreja, com vistas ao Reino que vem.
Revistamo-nos com as armas da luz, da liberdade, da coragem do Evangelho para perscrutar o horizonte, reconhecer os sinais de Deus e obedecer a eles; com escolhas evangélicas ousadas no estilo do humilde e do pequeno.




EM ÊXODO OBEDIENTE

Durante toda a viagem
quando a nuvem se levantava de cima
da Habitação, os israelitas punham-se
em movimento.
Mas se a nuvem não se levantava,
também eles não partiam
até que ela se levantasse.
Pois, durante o dia, a nuvem do Senhor
ficava sobre a Habitação
e durante a noite havi aum fogo dentro dela
visível a toda a casa de Israel,
durante toda a sua viagem.
Ex 40, 36-38

À escuta

2.                      A vida de fé não é simplesmente uma posse, mas um caminho que conhece passagens luminosas e túneis escuros, horizontes abertos e veredas tortuosas e incertas. Do misterioso abaixar-se de Deus sobre as nossas vidas e os nossos acontecimentos, segundo as Escrituras, nascem admiração e alegria, dom de Deus que enche a vida de sentido e luz e encontra plenitude na salvação messiânica realizada por Cristo.
Antes de focalizar a atenção no acontecimento conciliar e nos seus efeitos, dexemo-nos orientar por um ícone bíblico para ter lembrança viva e grata do kairós pós-conciliar, nos valores inspirativos.
A grande epopeia que foi o êxodo do povo eleito da escravidão do Egito para a Terra Prometida se torna icone sugestivo que lembra o nosso moderno stop and go, a parada e a partida, a paciência e o empreendedorismo. Estas décadas foram exatamente um período de altos e baixos, de impulsos e desilusões, de explorações e fechamentos saudosistas.
A tradição interpretativa da vida espiritual, que de várias formas apresenta-se ligada com a da vida consagrada, encontrou muitas vezes no grande paradigma do êxodo do povo de Israel do Egito símbolos e metáforas sugestivas: a sarça ardente, a passagem pelo mar, a caminhada pelo deserto, a teofania no Sinai, o medo da solidão, o dom da lei e da aliança, a coluna de nuvem e de fogo, o maná, a água da rocha, o murmúrio e as nostalgias.
Retomando o símbolo da nuvem (em habraico ’ãnãn)[6]que guiava misteriosamente a caminhada do povo: fazia ora parando, inclusive por muito tempo e, portanto, suscitando privações e saudades, ora levantando-se e movendo-se e assim indicando o ritmo da marcha, sob a guia de Deus.
Coloquemo-nos à escuta da Palavra: “Durante toda a viagem, quando a nuvem se levantava acima da Habitação, os israelitas punham-se em movimento. Mas se a nuvem não se levantava, também eles não partiam até que ela se levantasse. Pois, durante o dia, a nuvem do Senhor ficava sobre a Habitação e durante a noite havia um fogo dentro dela visível a toda a casa de Israel, durante toda a sua viagem” (Ex 40, 36-38).
Traz algo de interessante e de novo o texto paralelo de Números (cf. Nm 9,15-23), em particular sobre as paradas e as partidas: “Enquanto a nuvem permanecia sobre a Habitação, os filhos de Israel ficavam acampados; mas quando ela se levantava, então partiam (Nm 9,22).
Ficava evidente que este estilo de presença e guia por parte de Deus exigia uma contínua vigilância: seja para responder ao imprevisível movimento da nuvem, seja para guardar a fé na presença protetora de Deus, quando as paradas era longas e a meta adiada sine die.
Na linguagem simbólica do relato bíblico aquela nuvem era o anjo de Deus, como afirma o livro do Êxodo (Ex 14,19). E, na interpretação sucessva, a nuvem se torna um símbolo privilegiado da presença, da bondade e da fidelidade ativa de Deus. De fato, as tradições profética, sálmica e sapiencial retomaram frequentemente este símbolo, desenvolvendo também outros aspectos, como, por exemplo, o fato de Deus se esconder por culpa do povo (cf. Lm 3,44) ou a majestade da sede do trono de Deus (cf. 2Cr 6,1; Jó 26,9).
O NT retoma, às vezes, com linguagem análoga, este símbolo nas teofanias: a concepção virginal de Jesus (cf. Lc 1,35), a transfiguração (cf. Mt 17,1-8 e par.), a ascenção de Jesus ao céu (cf. At, 1-9). Paulo usa a nuvem também como símbolo do Batismo (cf. 1Cor 10,1), e a simbólica da nuvem faz sempre parte do imaginário para descrever a volta gloriosa do Senhor  no fim dos tempos (cf. Mt 24,30; 26,64; Ap 1,7; 14,14).
Em síntese, a perspectiva dominante, já na simbologia típica do êxodo, é a da nuvem como sinal da mensagem divina, presença ativa do Senhor Deus no meio do seu povo. Israel deve estar sempre pronto a prosseguir a caminhada se a nuvem se puser a caminho, a reconhecer a sua culpa e detestá-la quando o seu horizonte ficar escuro, a ter paciência quando as paradas se prolongarem e a meta parecer inatingível.
Na complexidade das múltiplas passagens bíblicas do símbolo da nuvem, acrescentam-se também os valores da  inecessibilidade de Deus, da sua soberania que vigia tudo do alto, da sua misericórdia que rasga as nuvens e desce para devolver vida e esperança. Amor e conhecimento de Deus se aprendem apenas num caminho de seguimento, numa disponibilidade livre de medos e nostalgias.
Após séculos do êxodo, quase próximo da vinda do Redentor, o sábio recordará aquela aventurosa epopeia dos israelitas guiados pela  nuvem e pelo fogo com uma frase lapidar: “Deste a eles uma coluna de fogo para guiá-los num caminho desconhecido” (Sab 18,3).

Como guiadospela nuvem

3.                      A nuvem de luz e de fogo que guiava o povo, segundo ritmos que exigiam total obediência e plana vigilância, é eloquente para nós. Podemos divisar, como  num espelho, um modelo interpretativo para a vida consagrada do nosso tempo. Por algumas décadas, a vida consagrada, impelida pelo impulso carismático do Concílio, caminhou como se seguisse os sinais da nuvem do Senhor.
Aqueles que tiveram a graça de “ver” o início da caminhada conciliar têm no coração o eco das palavras de São João XXIII: Gaudet Mater Ecclesia, o incipit do discurso de abertura do Concílio (11 de outubro de 1962)[7].
Como sinal da alegria, júbilo profundo do espírito, a vida consagrada foi chamada a continuar, em novidade, a caminhada da história: “No presente estado dos acontecimentos humanos, no qual a humanidade parece entrar numa nova ordem de coisas, hão de se ver antes os mistériosos planos da Divina Providência, que se realizam em tempos sucessivos através da obra dos homens, e frequentemente além das suas expectativas, e com sabedoria dispõe tudo, inclusive as adversidades humanas, para o bem da Igreja, [...] é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do depósito da fé, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a este método e, se necessário, aplicá-lo com paciência [...]”.[8]
São João Paulo II definiu o acontecimento conciliar como “a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússula segura para nos orientar no caminho”.[9] Papa Francisco acentuou que “foi uma obra bonita do Espírito Santo”.[10] Podemos afirmar isto também para a vida consagrada: foi uma passagem benéfica de iluminação e discernimento, de trabalhos e gandes alegrias.
A caminhada dos consagrados foi um verdadeiro “caminho exodal”.[11] Tempo de entusiasmo e de audácia, de inventividade e de fidelidade criativa, mas também de certezas frágeis, de improvisações e desilusões amargas. Com o olhar reflexivo de depois, podemos reconhecer que deveras “havia um fogo dentro da nuvem” (Ex 40,38) e que por vias “desconhecidas” o Espírito de fato conduziu a vida e os projetos dos consagrados e das consagradas pelos caminhos do Reino.
Nos últimos anos o impulso desse caminho parece enfraquecido. A nuvem parece mais envolta de escuridão que de fogo, mas nela habita ainda o fogo do Espírito. Embora às vezes possamos caminhar na escuridão e na tibieza, que correm o risco de perturbar os nossos corações (cf. Jo 14,1), a fé desperta a certeza de que dentro da nuvem não faltou a presença do Senhor: ela é “clarão de fogo chamejante durante a noite” (Is 4,5), além da escuridão.
Trata-se de partir sempre de novo na fé “numa viagem desconhecida” (Sb 18,3), como o pai Abraão, que “partiu sem saber aonde ia” (cf. Hb 11,8). É um caminho que exige uma obediência e uma confiança radicais, ao qual só a fé permite ter acesso e que na fé é possível renovar e consolidar.[12]


Memória viva do êxodo

4.                      Não há dúvida de que os consagrados e as consagradas no final da Assembleia Concilia tinham acolhido com ampla adesão e fervor sincero as deliberações dos padres conciliares. Percebia-se que estava aginda a graça do Espírito Santo, invocado por São João XXIII para conseguir para a Igreja um Pentecostes renovado. Ao mesmo tempo se percebia uma sintonia de pensamento, de aspirações, de agitação in itinere há pelo menos uma década.
A constituição apostólica Provida Mater Ecclesia, em 1947, reconhecia a consagração que vive os conselhos evangélicos na condição secular. Um “gesto revolucionário na Igreja”. [13] O reconhecimento oficial chegou antes que a reflexão teológica delineasse o horizonte específico da consagração secular. Através desse reconhecimento se exprimia de algum modo uma orientação que estaria no coração do Concílio Vaticano II: a simpatia pelo mundo gera um diálogo novo.[14]
Este Dicastério, em 1950, sob os auspícios de Pio XII, convoca o primeiro Congresso Mundial dos Estados de Perfeição. Os ensinamentos pontifícios abrem o caminho para uma accommodata renovatio, expressão que o Concílio faz sua no decreto Perfectae caritatis. Àqauele Congresso seguiram-se outros, em vários contextos e sobre vários temas, tornando possível nos anos 1950 e no início da década seguinte uma  nova reflexão teológica e espiritual. Nesse campo bem preparado, a Assembleia Conciliar espalhou com profusão a boa semente da doutrina e a riqueza de orientações concretas que ainda hoje vivemos como preciosa herança.
Após cinquenta anos da promulgação da Constituição dogmática Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, que ocorreu em 21 de novembro de 1964, uma memória de alto valor teológico e eclesial permanece: “A Igreja toda aparece como ‘o povo unido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo’”.[15] É reconhecida a centralidade do povo de Deus a caminho entre os povos, redimido pelo sangue de Cristo (cf. At 20,28), cheio do Espírito de verdade e de santidade e “enviado a toda parte como luz do mundo e sal da terra” (cf. Mt, 5,13-16).[16]
Delineia-se assim uma identidade firmemente estabelecida sobre Cristo e o seu Espírito, e ao mesmo tempo se propõe uma Igreja voltada a todas as situações culturais, sociais e antropológicas: “Destinada a estender-se a todas regiões, ela entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna esposa do seu Senhor, e, sob a ação do Espírito Santo, não cesse de se renovar até, pela cruz, a chegar à luz que não conhece ocaso.”[17]
A Lumen Gentium dedica todo o capítulo VI aos religiosos.[18] Depois de ter afirmado o princípio teológico da “vocação de todos à santidade”,[19] a Igreja reconhece entre as múltiplas vias de santidade o dom da vida consagrada, recebido do seu Senhor e guardado em todo o tempo com a sua graça.[20] A raiz batismal da consagração, seguindo o ensinamento de Paulo VI, é evidenciada com alegria, enquanto se indica o estilo de vida vivido no seguimento de Cristo como permanente e eficaz representação da forma de existência que o Filho de Deus abraçou na sua existência terrena. A vida consagrada, enfim, é indicada como sinal para o Povo de Deus no cumprimento da comum vocação cristã e manifestação da graça do Senhor Ressuscitado e do poder do Espírito Santo que opera maravilhas na Igreja.[21]
Com o passar dos anos, estas afirmações mostraram uma eficácia vigorosa. Uma mudança cujo fruto pode ser hoje saboreado é o senso eclesial aumentado que delineia a identidade e anima a vida e as obras dos consagrados.
Pela primeira vez nos trabalhos de um Concílio ecumênico a vida consagrada foi identificada como parte viva e fecunda da vida de comunhão e de santidade da Igreja, e não como âmbito que precisa de “decretos de reforma”.
Intenção igual guiou também o decreto Perfectae caritatis, cujo quinquagésimo aniversário de promulgação, ocorrido em 28 de outubro de 1965, nos preparamos para celebrar. Nele ocoa unívoca a radicalidade da chamada: “Dado que a vida religiosa tem por última norma o seguimento de Cristo proposto  no Evangelho, deve ser esta a regra suprema de todos os institutos”.[22] Parece uma afirmação óbvia e genérica, e de fato ela provocou uma purificação radical das espiritualidades devocionais e das identidades voltadas para a primazia dos serviços eclesiais e sociais, firmes na imitação sacralizada dos propósitos dos fundadores.
Não se pode antepor nada à centralidade do seguimento radical de Cristo.
O magistério conciliar inicia também o reconhecimento da variedade de fo rmas de vida consagrada. Os institutos apostólicos veem reconhecidos com clareza, pela primeira vez em nível tão autorizado, o princípio de que a sua ação apostólica pertence à própria natureza da vida consagrada.[23] A vida consagrada leiga aprecece constituída e reconhecida como “um estado em si completo de profissão dos conselhos evangélicos”.[24] Os institutos seculares surgem com a sua especificidade constitutiva da consagração secular.[25] Prepara-se o renascimento da Ordo Virginum e da vida eremítica como formas não associadas da vida consagrada.[26]
Os conselhos evangélicos são apresentados com acentos inovadores, como projeto existencial assumido com modalidades próprias e com uma radicalidade particular de imitação de Cristo. [27]
Mais dois temas sobressaem pela linguagem nova com que são apresentados: a vida fraterna em comum e a formação. A vida fraterna encontra plenamente a inspiração bíblica dos Atos dos Apóstolos, que por séculos animou a inspiração ao cor unum et anima una (At 4,32). O reconhecimento positivo da variedade dos modelos e dos estilos de vida fraterna constitui hoje um dos êxitos mais significativos do sopro inovador do Concílio. Além disso, apelando para o dom comum do Espírito, o decreto Perfectae caritatis leva à superação de classes e categorias, para estabelecer comunidades de estilo fraterno, com iguais direitos e obrigações, exceto aqueles que provêm da Ordem sacra.[28]
O valor e a necessidade da formação são colocados como fundamento da renovação: “A renovação dos Institutos depende sobretudo da formação dos seus membros”.[29] Pela sua essencialidade, este princípio funcionou como um axioma: a partir dele desenvolveu-se um itinerário tenaz e explorador de experiências e discernimento, no qual a vida consagrada investiu intuições, estudos, pesquisa, tempo, meios.


Alegrias e percalços do caminho

5.                      A partir das solicitações conciliares, a vida consagrada percorreu um longo caminho. Na verdade, o êxodo não levou somente à busca dos horizontes indicados pelo Concílio. Os consagrados e as consagradas se encontram e enfrentam realidades sociais e culturais inéditas: a atenção  aos sinais dos tempos e dos lugares, o convite permanente da Igreja a realizar o estilo conciliar, a redescoberta e reinterpretação dos carismas de fundação, as rápidas mudanças na sociedade e na cultura. Novos cenários que pedem discernimento novo e unânime, desestabilizando modelos e estilos repetidos no tempo, incapazes de dialogar, como testemunho evangélico, com os novos desafios e as novas oportunidades.
Na constituição Humanae salutis, com a qual São João XXIII anunciava a Assembleia Conciliar do Vaticano II, se lê: “Seguindo as recomendações de Cristo Senhor que nos exorta a interpretar os sinais dos tempos (Mt 16,3), no meio de tanta treva vislumbramos não poucos indícios que dão sólida esperança de tempos melhores para a Igreja e a humanidade”.[30]
A Carta Encíclica Pacem in terris, endereçada a todos os homens de boa vontade, introduzida como chave teológica os “sinais dos tempos”. Entre eles, São João XXIII reconhece: a ascensão econômico-social das classes trabalhadoras; a entrada da mulher na vida pública; a formação de nações independentes[31]; a tutela e a promoção dos direitos e dos deveres nos cidadãos conscientes de sua dignidade;[32] a persuasão de que os conflitos devem encontrar solução através da negociação, sem o recurso das armas.[33] Entre esses sinais ele inclui também a Declaração universal dos direitos do homem aprovada pelas Nações Unidas.[34]
Os consagrados habitaram e interpretaram estes novos horizontes. Anunciaram e testemunharam in primis o Evangelho com a vida, oferecendo ajuda e solidariedade de todo o tipo, colaborando nas tarefas mais diversas no signo da proximidade cristã, envolvidos no processo histórico em ato. Longe de limitar-se a lamentar a memória de épocas passadas, procuraram vivificar o tecido social e as suas instâncias com a traditio eclesial viva, testada nos séculos na crista da história, segundo o habitus da fé e da esperança cristã.
A empresa colocada diante da vida consagrada pelo horizonte histórico no final do século XX exigiu audácia e inventividade corajosa. Para isso, essa passagem epocal valeu como dedicação profética, religiosamente motivada: muitos consagrados viveram com comprometimento sério e, frequentemente, também com grave risco pessoal à nova consciência evangélica de ter de ficar do lado dos pobres e dos últimos, compartilhando valores e angústias.[35]
 A vida consagrada abre-se à renovação não porque segue iniciativas autônomas, nem por mero desejo de novidade, e muito menos por retirada redutiva para as urgências sociológicas. Principalmente, porém, por obediência responsável tanto ao Evangelho criador, que “fala pelos profetas” (Cf. Credo Apostólico),[36], como às solicitaçoes do Magistério da Igreja, expressas com força nas grandes encíclicas sociais: Pacem in terris (1963), Populorum progressio (1967), Octogesima adveniens (1971), Laborem exercens (1981), Caritas in veritate (2009). Tratou-se – para relembrar o ícone da  nuvem – de uma fidelidade à vontade divina, manifestada através da voz autorizada da Igreja.
A visão do carisma como originado do Espírito, orientado pela conformação a Cristo, marcado pelo perfil eclesial comunitário, em desenvolvimento dinâmico na Igreja, motivou toda decisão de renovação e deu progressivamente forma a uma verdadeira teologia do carisma, aplicada pela primeira vez de modo claro na vida consagrada.[37] O Concílio não relacionou explicitamente este termo à vida consagrada, mas abriu caminho para isso fazendo referência a alguns testemunhos paulinos.[38]
Na exortação apostólica Evangelica testificatio, Paulo VI adota oficialmente esta nova terminologia,[39] e escreve: “Desta forma, insiste o Concílio e justamente, na obrigação dos religiosos e das religiosas, de serem fiéis ao espírito dos seus fundadores, às suas intenções evangélicas e ao exemplo da sua santidade, vendo nisso pricisamente um dos princípios da renovação em curso e um dos critérios mais seguros daquilo que cada instituto deveria empreender”.[40]
Esta Congregação, testemunha dessa caminhada, acompanhou as várias fases de uma nova redação das Constituições dos Institutos. Foi um processo que alterou equilíbrios de longa data, mudou práticas absoletas da tradição,[41] enquanto releu com novas hermenêuticas os patrimônios espirituais e experimentou novas estruturas, até delinear de  novo programas e presenças. Nessa renovação, ao mesmo tempo fiel e criativa, não podem ser caladas algumas dialéticas de confronto e de tensão e inclusive dolorosas deserções.
A Igreja não parou o processo, mas o acompanhou com um magistério pontual e uma sábia vigilância, declinando, no primado da vida espiritual, sete temas principais: carisma fundacional, vida no Espírito alimentada pela Palavra (lectio divina), vida fraterna em comunhão, formação inicial e permanente, novas formas de apostolado, autoridade de governo e atenção às culturas. A vida consagrada nos últimos cinquenta anos foi medida por tais instâncias e caminhou nelas.
A referência à “letra” do Concílio permite “encontrar o seu verdadeiro espírito” para evitar interpretações erradas.[42] Somos chamados a juntos fazermos a memória de um acontecimento vivo no qual nós, como Igreja, reconhecemos a nossa identidade mais profunda. Paulo VI, no encerramento do Concílio Vaticano II, afirmava com mente e coração agradecidos: “A Igreja entrou em si mesma, penetrou no íntimo de sua consciência espiritual [...] para encontrar em si a palavra de Cristo, viva e operante no Espírito Santo, e para sondar mais profundamente o mistério, ou seja, o desígnio e a presença de Deus fora e dentro de si, e para reavivar em si o fogo da fé, que é o segredo de sua segurança e da sua sabedoria, e reavivar o fogo do amor, que a obriga a cantar sem descanso os louvores de Deus, porque, como diz Santo Agostinho: ‘Cantar é próprio do amante’ (Ser. 336: PL 38), 11472). Os documentos conciliares, principalmente os que tratam da Revelação divina, da liturgia, da Igreja, dos sacerdotes, dos religiosos, dos leigos, permitem ver diretamente esta primordial intenção religiosa e demonstram quão límpida, fresca e rica é a veia espiritual que o vivo contato com Deus vivo faz brotar no seio da Igreja e correr sobre as áridas glebas da nossa terra”.[43]
A mesma lealdade para com o Concílio como acontecimento eclesial e como paradigma de estilo exige agora que se saiba projetar com confiança para o futuro. Vive em nós a certeza de que Deus sempre se põe a guiar o nosso caminho?
Na riqueza das palavras e dos gestos, a Igreja orienta-nos a ler a nossa vida pessoal e comunitária no contexto todo do plano de salvação para entender para qual direção orientar-nos, qual futuro prefigurar; em continuidade com os passos dados até hoje nos convida a uma redescoberta da unidade de confessio laudis, fidei et vitae.
A memoria fidei oferece-nos raízes de continuidade e perseverença: uma identidade forte para reconhecer-nos parte de uma vicissitude, de uma história. A releitura na fé do caminho percorrido não se detém nos grandes eventos, mas ajuda-nos a reler a história pessoal, dividindo-a em etapas eficazes.




EM VIGÍLIA VIGILANTE

Elias subiu até o cume do Carmelo
e se curvou até o chão,
pondo o rosto entre os joelhos...
“Enxergo uma pequena nuvem,
do tamanho da palma da mão.
Vem subindo do mar.”
1Rs 18,42.44

À escuta

6.                      Procuremos mais luz na simbologia bíblica, pedindo inspiração para o caminho de profecia e de exploração dos novos horizontes da vida consagrada, que queremos agora considerar nesta segunda parte. A vida consagrada, de fato, por sua natureza, é intrinsecamente chamada a um serviço testemunhal que a coloca como signum in Ecclesia.[44]
Trata-se de uma função que pertence a cada cristão, mas na vida consagrada caracteriza-se pela radicalidade da sequela Christi [seguimento de Cristo] e do primado de deus e, ao mesmo tempo, pela capacidade de viver a missão evangelizadora da Igreja com parresia e criatividade. Justamente São João Paulo II acentou que: “O testemunho profético [...] exprime-se também com a denúncia de tudo o que é contrário à vontade divina e com a exploração de novas maneiras de pôr o Evangelho em prática na história, com vistas ao Reino de Deus”.[45]
Na tradição patrística o modelo bíblico de referência para a vida monástica é o profeta Elias: tanto pela sua vida de solidão e de ascese como pela paixão pela aliança e pela fidelidade à lei do Senhor, como pela sua audácia em defender os direitos dos pobres (cf. IRs 17-19; 21). A exortação apostólica Vita consecrata também lembrou isso em apoio da natureza e função profética, o manto que, simbolicamente, Elias deixou cair sobre Eliseu no momento de seu arrebatamento ao céu (cf. 2Rs 2,13), é interpretado como passagem do espírito profético do pai para o discípulo e também como símbolo de vida consagrada na Igreja, que vive de memória e profecia, sempre novas.
Elias, o tesbita, aparece de improviso no cenário do reino do Norte, com a ameaça peremptória: “Nestes anos não cairá nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu mandar” (1Rs 17,1). Manifesta assim uma rebelião da consciência religiosa diante da decadência moral à qual o povo é conduzido pela prepotência da rainha Jezabel e pela indolência do rei Acab. A sentença profética que fecha à força o céu é desafio aberto à função especial de Baal e da fileira dos  baalim, aos quais eram atribuídas fecundidade e fertilidade, chuva e bem-estar. Daqui, como em grandes arcos, se estende a ação de Elias em episódios que, mais que narrar uma história, apresentam momentos dramáticos e de grande força inspiradora (cf. 1Rs 17-19.21; 2Rs 1-2).
Em cada passagem Elias vive progressivamente o seu serviço profético, conhecendo purificações e iluminações que caracterizam o seu perfil bíblico, até o auge do encontro com a passagem de Deus na brisa suave e amena do Horeb. Estas experiências são inspiradoras também para a vida consagrada. Também esta deve sair do refúgio solitário e penitente no wadi do Carit cf. 1Rs 17,2-7) e ir ao encontro solidário com os pobres que lutam pela vida, como a viúva de Serepta (cf. 1Rs 17,8-24); aprender da audácia genial representada pelo desafio do sacrifício no Carmelo (1Rs 18,20-39) e  pela intercessão pelo povo empobrecido pela seca e pela cultura de morte (cf. 1Rs 18,41-46), até defender os direitos dos pobres pisoteados pelos propotentes (cf. 1Rs 21) e prevenir contra as formas idolátricas que profanam o santo nome de Deus (cf. 2Rs 1).
Página dramática é em particular a depressão mortal de Elias no deserto de Bersabeia (1Rs 19,1-8): mas ali, Deus oferecendo pão e água da vida, sabe transformar com delicadeza a fuga em peregrinação para o monte Horeb (1Rs 19,9). É exemplo para as nossas noites escuras que, como para Elias, precedem o esplendor da teofania da brisa suave (1Rs 19,9-18) e preparam para  novos tempos de fidelidade, que se tornam histórias de chamamentos novos (como para Eliseu: 1Rs 19,19-21), mas também infundem audácia para intervir contra a justiça ímpia (cf. o assassinato do camponês Nabot: 1Rs 21,17-29). Enfim, nos comove a saudação afetuosa às comunidades dos filhos dos profetas (2Rs 2,1-7) que prepara para a saída final, no outro lado do Jordão, para o céu no carro de fogo (2Rs 2,8-13).
Poderemos sentir-nos atraídos pelas façanhas clamorosas de Elias, pelos seus protestos furiosos, pelas suas acusações diretas e audazes, até a contenda com deus no Horeb, quando Elias chega a acusar o povo de ter apenas projetos destrutivos e ameaçadores. Mas pensemos que neste momento histórico podem falar mais a nós alguns elementos menores, que são como pequenos sinais, mas inspiram os nossos passos e as nossas escolhas de maneira nova nesta idade contemporânea onde os rastos de Deus parecem desaparecer numa desertificação do sentido religioso.[46]
O texto bíblico oferece numerosos símbolos “menores”. Podemos acená-los: os recursos escassos de vida no córrego de Carit, com aqueles corvos que obedecem a Deus levando pão e carne ao profeta em gesto de misericórdia e solidariedade. A generosidade, com risco da própria vida, da viúva de Serepta, que tem só “um punhado de farinha e um pouco de óleo” (1Rs 17,12) e os dá ao profeta faminto. A impotência de Elias diante do menino morto, e a sua dúvida gritada unida ao seu abraço desesperado, que a viúva interpreta de modo teológico, como revelação do rosto de um Deus compassivo. A longa luta do profeta prostrado na intercessão – depois do clamoroso e um pouco teatral choque com os sacerdotes de Baal sobre o Carmelo – implorando chuva sobre o povo esgotado pela condenação à seca. Num jogo de equipe entre Elias, o rapaz que sobe e desce no cume do monte e Deus, que é o verdadeiro senhor da chuva (e não Baal), chega enfim a resposta de uma pequena nuvem, do tamanho da palma da mão (cf. 1Rs 18,41). Uma resposta minúscula de Deus que, no entanto, logo se torna uma grande chuva, restauradora para um povo agora no limite.
Resposta igualmente pobre, mas eficaz, serão alguns dias depois aquele pão e aquele jarro de água que aparecem ao lado do profeta em depressão mortal no deserto: é recurso que dá força para caminhar “quarenta dias e quarenta noites até o monte de Deus, o Horeb” (1Rs 19,8). E lá, na caverna em que Elias se abriga, e ainda freme de revolta contra o povo destruidor e sacrílego que ameaça a sua vida, assistirá à destruição do seu imaginário de ameaça e de poder: o Senhor não estava.., no vento impetuoso, no terremoto, no fogo, mas numa “voz de silêncio sutil” (1Rs 19,21).
Uma página sublime para a literatura mística, uma queda vertical na realidade para todo o “furor sagrado” do profeta: deve reconhecer a presença de Deus além de todo imaginário tradicional, que o aprisionava. Deus é sussurro e brisa, não é produto de nossa necessidade de segurança e de sucesso, “não deixa rasto visível das suas pegadas” (cf. Sl 77,20), mas está presente de maneira verdadeira e eficaz.
Com o seu furor e as suas emoções Elias estava para arruinar tudo, iludindo-se de ser o único que permaneceu fiel. Mas Deus sabia que havia outras sete mil testemunhas, havia profetas e reis prontos a obedecer a ele (1Rs 19,15-19), porque a história de Deus não se identificava com o fracasso do profeta deprimido e impetuoso. A história continua, porque está nas mãos de Deus, e Elias deve ver com olhos novos a realidade, deixar-se regenerar em esperança e confiança em Deus mesmo. Aquela posição curvada lá no monte para implorar chuva, que se assemelha muito à criança nascitura no ventre da mãe, é retomada simbolicamente também no Horeb com o esconder-se na caverna, e agora é completada com um  novo nascimento do profeta, para caminhar ereto e regenerado  nos caminhos misteriosos do Deus vivo.
Aos pés do monte o povo lutava ainda contra uma vida que não era mais vida, uma religiosidade que era profanação da aliança e nova idolatria. O profeta deve tomar sobre si aquela luta e aquele desespero, deve “voltar sobre seus passos (1Rs 19,15), que agora são os de Deus, atravessar de novo o deserto, que agora floresce com sentido novo, a fim de que a vida triunfe e novos profetas e chefes prestem fidelidade à aliança.

A porofecia da vida conforme o Evangelho

7.                      O tempo de graça que estamos vivendo com a insistência do Papa Francisco de colocar no centro o Evangelho e o essencial cristão é para os consagrados e as consagradas um novo chamado à vigilância para estar prontos para os sinais de Deus. “À nossa fé é desafiada a entrever o vinho em que a água pode ser transformada.”[47] Lutemos contra os olhos pesados de sono (Cf. Lc 9,32), para não perder a capacidade de discernir os movimentos da nuvem, que guia o nosso caminho (Cf. Nm 9,17), e reconhecer nos sinais pequenos e frágeis a presença do Senhor da vida e da esperança.
O Concílio nos deu um método, o método da reflexão que se faz sobre o mundo e os acontecimentos humanos, sobre a Igreja e a existência cristã, a partir da Palavra de Deus. Deus que se revela e está presente na história. Esse método é sustentado por uma aptidão: a escuta, que se abre ao diálogo, enriquece o caminho para a verdade, voltar à centralidade de Cristo e da Palavra de Deus, como o Concílio[48] e o sucessivo Magistério nos convidaram insistentemente a fazer,[49] de modo bíblico teologicamente fundamentado, o que pode ser garantia de autenticidade e de qualidade para o futuro da nossa vida de consagrados e consagradas.
Uma escuta que transforma e nos faz tornar anunciadores  e testemunhas das intenções de Deus na história e da sua ação eficaz para a salvação. Nas necessidades de hoje voltemos ao Evangelho, saciemos a sede nas Sagradas Escrituras, nas quais se encontra a “fonte pura e perene da vida espiritual”.[50] De fato, como bem dizia São João Paulo II, “Não há dúvida de que este primado da santidade e da oração só é concebível a partir duma renovada escuta da Palavra de Deus”.[51]

Evangelho, regra suprema

8.                      Uma das características da renovação conciliar para a vida consagrada foi a volta radical à sequela Christi: “Desde os princípios da Igreja, houve homens e mulheres que, pela prática dos conselhos evangélicos, procuraram seguir Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, consagrando, cada um a seu modo, a própria vida a Deus”.[52]
Seguir Cristo, como é proposto no Evangelho, é a “norma última da vida religiosa” e “a regra suprema”[53] de todos os Institutos. Um dos primeiros nomes com que foi designada a vida monástica é “vida evangélica”.
As diversas expressões de vida consagrada dão testemunho de tal inspiração evangélica, a começar por Antão, iniciador da vida solitária no deserto. A sua história inicia pela escuta da Palavra de Cristo: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me” (Mt, 19,21).
De Antão em diante a tradição monástica fará da Escritura a regra de sua vida: as primeiras regras são simples normas práticas, sem nenhuma pretensão de conteúdos espirituais, porque a única regra do monge é a Escritura, nenhuma outra regra é admissível: “tenhamos cuidado de ler e aprender as Escrituras – escreve Orsiesi, discípulo e sucessor de Pacômio – e de consagrar-nos incessantemente à sua meditação [...]. São as Escrituras que nos guiam para a vida eterna”.[54]
Basílio, o grande mestre do monarquismo do Oriente, quando redige o Asceticon[55], destinado a se tornar o manual da vida monástica, recusa-se a chamá-lo de Regra. O seu ponto de referência são antes os Moralia,[56] coletânea de textos bíblicos comentados e aplicados às situações da vida em santa koinonia. No sistema basiliano o comportamento dos monges é definido através da Palavra de Deus, o Deus que perscruta coração e rins (cf. Ap, 2,23), sempre presente. Esta constante presença diante do Senhor, memoria Dei, é, talvez, o elemento mais específico da espiritualidade basiliana.
No Ocidente, o caminho vai na mesma direção. A regra de Bento é obediente à Palavra de Deus: “Escutemos a voz de Deus que cada dia se dirige a nós... .”[57] Ouve, ó filho:[58] é a ouverture da Regula Benedicti, porque é ouvindo que nos tornamos filhos e discípulos, acolhendo a Palavra nós mesmos nos tornamos Palavra.
No século XII, Estêvão de Muret, fundador da Ordem de Grandmont, exprime de maneira eficaz esse enraizamento no Evangelho: “Se alguém vos perguntar de que profissão ou de que regra ou de que ordem sois, respondei que sois da primeira e principal da religião cristã, quer dizer, do Evangelho, fonte e princípio de todas as regras, não há outra regra além do Evangelho”.[59]
O surgimento das ordens mendicantes torna, se possível, o movimento de volta ao Evangelho ainda mais incisivo.
Domingos, “onde quer que se manifestasse como homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras”,[60] era um Evangelho vivo, capaz de anunciar o que vivia, e queria que fossem “homens evangélicos”[61] também os seus pregadores. Para Francisco de Assis a regra é “a vida do Evangelho de Jesus Cristo”;[62] para Clara de Assis: “A forma de vida da ordem das irmãs pobres [...] é esta: ‘observar o santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo’”.[63] Na regra dos carmelitas, o preceito fundamental é o de “meditar dia e noite a Lei do Senhor”, para traduzir isso na ação concreta: “Tudo o que deveis fazer, fazei-o na Palavra do Senhor”.[64] Tal fundamento, comum a tantas famílias religiosas, permanece imutável com o passar dos séculos.
Nos nossos tempos, Tiago Alberione afirma que a Família Paulina “aspira a viver integralmente o Evangelho de Jesus Cristo”, [65], enquanto a pequena Irmã Magdeleine afirma: “Nós devemos construir uma coisa nova. Uma coisa nova que é antiga, que é o autêntico cristianismo dos primeiros discípulos de Jesus. É necessário que recuperemos o Evangelho palavra por palavra”.[66] Todo carisma de vida consagrada tem raízes no Evangelho. Evidente e significativa é a paixão pela Palavra bíblica em muitas das novas comunidades que florescem hoje em toda a Igreja.
Voltar ao Evangelho soa hoje para nós como provocação, que nos reconduz à fonte de toda a vida radicada em Cristo. Um convite poderoso a fazer, uma caminhada para a origem, o lugar no qual a nossa vida toma forma, onde toda regra e norma encontram inteligência e valor.
O Santo Padre exortou muitas vezes a fiar-nos e confiar-nos a esta dinâmica  da vitalidade: “Convido-vos a nunca duvidar do dinamismo do Evangelho nem da sua capacidade de convertar os corações para Cristo ressuscitado,e de conduzir as pessoas ao longo do caminho da salvação que esperam no mais profundo de si mesmas”.[67]

Formação: Evangelho e cultura

9.                      Formar para o Evangelho e às exigências é um imperativo. Nessa perspectiva, somos convidados a realizar uma revisão específica do paradigma formativo que acompanha os consagrados e espeicalmente as consagradas no caminho para a vida. A formação espiritual, muito frequentemente limitada quase a simples acompanhamentos psicológicos ou a exercícios de piedade padronizados, tem caráter de urgência.
A pobreza repetitiva de conteúdos vagos bloqueia os candidatos em níveis de amadurecimento humano infantil e dependente. A rica variedade das vias seguidas e propostas pelos autores espirituais permanece quase desconhecida para leitura direta, ou é referida apenas por fragmentos. É indispensável vigiar a fim de que o patrimônio dos Institutos não seja reduzido a esquemas apressados, distante da carga vital das origens, porque não introduz adequadamente na experiência cristã e carismática.
Num mundo em que a secularização se tornou cegueira seletiva em relação ao sobrenatural e os homens perderam os vestígios de Deus,[68] somos convidados à redescoberta e ao estudo das verdades fundamentais da fé.[69] Quem presta o serviço da autoridade é chamado a favorecer para todos os consagrados e as consagradas um conhecimento fundado e coerente da fé cristã, sustentado por um novo amor ao estudo. São João Paulo II exortava: “No seio da vida consagrada há necessidade de um renovado amor pelo empenho cultural, de dedicação ao estudo”.[70] É motivo de profundo pesar que tal imperativo não seja sempre acolhido e ainda menos recebido como exigência de reforma radical para os consagrados e, em particular, para as mulheres consagradas.
A debilidade e a fragilidade de que sofre este âmbito exigem que se reforce e relembre a necessidade da formação contínua para uma vida autêntica no Espírito e para manter-se abertos mentalmente e coerentes no caminho de crescimento e de fidelidade.[71] Certamente, não falta, em linha de princípio, uma adesão formal a tal urgência e se revela um vasto consenso na pesquisa científica sobre o tema, mas na verdade a praxe seguida é frágil, escassa e, frequentemente, incoerente, confusa, descomprometida.
“Testemunha do Evangelho – recorda o Papa Francisco – é alguém que encontrou Jesus Cristo, o que conheceu, ou melhor, que se sentiu por ele conhecido, reconhecido, respeitado, amado e perdoado; e este encontro sensibilizou-o em profundidade, enchendo-o de uma alegria nova, de um significado renovado para a sua vida. E isto transparece, comunica-se, transmite-se aos outros.”[72]
A Palavra, fonte genuína de espiritualidade[73] pela qual atingir a sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus (Fl 3,8), deve habitar o dia a dia da nossa vida. Só assim o seu poder (cf. 1Ts 1,5) poderá penetrar nas fragilidades do humano, fermentar e edificar os lugares  da vida em comum, retificar os pensamentos, os afetos, as decisões, os diálogos feitos nos espaços fraternos. Seguindo o exemplo de Maria, a escuta da Palavra deve tornar-se respiração de vida a cada instante da existência.[74] Deste modo a nossa vida converge na unidade da pensamento, reaviva-se na inspiração por uma renovação constante, frutifica na criatividade apostólica.[75]
O apóstolo Paulo pedia ao discípulo Timóteo para buscar a fé (cf. 2Tm 2,22) com a mesma constância de quando era menin (cf. 2Tm 3,15), em primeiro lugar permanecendo firme naquilo que tinha aprendido, ou  seja, nas Sagradas Escrituras: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e capacitado para toda obra boa” (2Tm 3,16-17). Ouçamos este convite como dirigido a nós, para que ninguém se torne negligente na fé (cf. Hb 6,12). Ela é companheira de vida que permite perceber com olhar sempre novo as maravilhas que Deus realiza por nós e orienta-nos para uma resposta obediente e responsável.[76]
O Evangelho, a norma ideal da Igreja e da vida consagrada, deve representar a sua normalidade na prática, o seu estilo e o seu modo de ser. Este é o desafio que o Papa Francisco relança. Convidando a um reequilíbrio eclesiológico entre a Igreja como corpo  hierárquico e a Igreja como Corpo de Cristo, que oferece os elementos para realizar esta operação, que pode acontecer apenas in corpore vivo da Igreja, ou seja, de nós e através de nós. Evangelizar não significa levar uma mensagem reconhecida útil pelo mundo, nem presença que se impõe, nem visibilidade que ofende, nem esplendor que ofusca, mas anúncio de “Jesus Cristo esperança em nós” (c. Cl 1,27-28), feito com “palavras de graça” (Lc 4,22), com uma “conduta boa entre os homens” (!Pd 2,12) e com “a fé que atua por meio do amor” (Gl 5,6).

A profecia da vigilância

10.                  No encerramento da Assembleia Conciliar, o Papa Paulo VI – com olhar de profecia – despedia-se dos bispos reunidos em Roma unindo tradição e futuro: “Neste encontro universal, neste ponto privilegiado do tempo e do espaço, convergem simultaneamente o passado, o presente e o futuro. O passado, porque está aqui reunida a Igreja de Cristo, com a sua tradição, a sua  história, os seus concílios, os seus doutores e os seus santos. O presente, porque saímos de nós próprios para nos dirigirmos ao mundo atual, com as suas misérias, as suas dores, os seus pecados, mas também os seus empreendimentos prodigiosos, os seus valores e as suas virtudes. E, por fim, o futoro encontra-se representado pelo apelo imperiosos dos povos a uma maior justiça,  no seu desejo de paz, na sua sede consciente ou inconsciente duma vida mais alta: precisamente aquela que a Igreja de Cristo lhes pode e deseja dar”.[77]
Papa Francisco nos encoraja com paixão a prosseguir com passo veloz e alegre a caminhada: “Guiados pelo Espírito, nunca rígidos, numca fechados, sempre abertos à voz de Deus que fala, que abre, que conduz, que nos convida a seguir para o verdadeiro  horizonte”.[78]
Quais terras estamos habitando e quais horizontes nos é dado perscrutar?
Papa Francisco convida a acolher o hoje de Deus e as suas novidades, convida-nos às “surpresas de Deus”[79] na fidelidade, sem medo nem resistências, para “ser profetas que testemunhem como Jesus é vivido nesta terra, que anunciem como o Reino de Deus erá na sua perfeição. Um religioso nunca deve renunciar à sua profecia”.[80]
Rossoa para nós o convite a continuar a caminhada levando no coração as expectativas do mundo. Percebemos a sua leveza e o seu peso, enquanto perscrutamos a chegada imprevisível da nuvenzinha. Germe humilde de uma Notícia que não pode ser calada.
A vida consagrada vive um tempo de passagens exigentes e de necessidades novas. A crise é o estado em que se é chamado ao exercício evangélico do discernimento, é a oportunidade de escolher com sabedoria – como o escriba, “que tira do seu tesouro coisas novas e velhas” (Cf. Mt, 13-52) – enquanto recordamos que a história é tentada a conservar mais do que um dia poderá ser utilizado. Corremos o risco de conservar “memórias” sacralizadas que tornam menos ágil a saída da caverna das nossas seguranças. O Senhor nos ama “com afeto eterno” (cf. Is 54,8): essa confiança nos chama para a liberdade.

Unidos para perscrutar o horizonte

11.                  Uma velada acédia enfraquece, às vezes, o nosso espírito, ofusca a visão, esgota as decisões e entorpece os passos, conjugando a identidade da vida consagrada sobre um paradigma envelhecido e a utorrefencial, sobre um horizonte breve: “Desenvolve-se a psicologia do túmulo, que, pouco a pouco, transforma os cristãos em múmias de museu”.[81] Contra esta inércia do espírito e do agir, conra esta desmotivação que entristece e extingue alma e vontade, já Bento XVI exortara: “’Não vos unais aos profetas da desgraça que proclamam o fim ou o não sentido da vida consagrada na Igreja dos nossos dias; mas sim vesti-vos de Jesus Cristo e usais as armas da lu\ - como exorta São Paulo (cf. Rm 13,11-14) –, permanecendo despertos e vigilantes’. São Cromácio d Aquileia escreveu: ‘Senhor, salva-nos do perigo para que jamais nos deixemos sobrecarregar pelo sono da infidelidade; mas nos conceda a sua graça e sua misericórdia, para que possamos vigiar sempre na fidelidade a ele. De fato, a nossa fidelidade está em Cristo’ (Sermão 32,4)”.[82]
A vida consagrada atravessa um vau, mas não pode permanecer assim de modo permanente. Somos convidados a realizar a passagem – Igreja em saída é uma das expressões típicas do Papa Francisco – como kairós que exige renúncias, que pede que se deixe aquilo que se conhece e se empreenda um percurso longo e nada fácil, como Abraão para a terra de Canaã (cf. Gn 12-1-6), como Moisés para uma terra misteriosa, legada aos patriarcas (cf. Ex 3,7-8), como Elias para Serepta de Sidônia: todos para terras misteriosas divisadas apenas na fé.
Não se trata de responder à pergunta se o que fazemos é bom: o discernimento olha para os horizontes que o Espírito sugere à Igreja, interpreta a roçadura das estrelas da manhã sem saída de emergência, sem atalhos improvisados, deixa-se levar a coisas grandes através de sinais pequenos e frágeis, colocando em jogo os recursos fracos. Somos chamados a uma obediência comum que se faz fé no presente para prosseguir juntos com “a coragem de lançar as redes na força da sua palavra (cf. Lc 5,5) e não de motivações humanas apenas”.[83]
A vida consagrada, alimentada parra a esperança da promessa, é chamada a prosseguir a caminhada sem deixar-se condicionar por aquilo que se deixa para trás: “Eu não julgo ter já alcançado a meta, mas, esquecendo o que fica para trás, avanço para o que está na frente” (Fl 3,13-14). A esperança não está edificada sobre as nossas forças e sobre os nossos números, mas sobre os dons do Espírito: a fé, a comunhão, a missão. Os consagrados são um povo tornado livre pela profissão dos conselhos do Evangelho, disposto a olhar na fé para além do presente, convidando a “alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós”.[84]
O horizonte de chegada deste caminho é marcado pelo ritmo do Espírito, não é uma terra desconhecida. Abrem-se diante da nossa caminhada novas fronteiras, realidades novas, outras culturas, necessidades diversas, periferias.
Em imitação do jogo de equipe do profeta Elias e do seu servo, é preciso recolher-se em oração com um sentido de paixão e compaixão pelo bem do povo que vive cenários de perda e, muitas vezes, de dor. É urgente também o serviço generoso e paciente do servo, que sobe para examinar o mar, até colher o pequeno ‘sinal’ de uma história nova, de uma “grande chuva”. Aquela brisa suave pode ser identificada hoje com tantos desejos inquietos dos nossos contemporâneos que buscam interlocutores sábios, pacientes companheiros de caminho, capazes de acolhida desarmada no coração, facilitadores e não controladores da graça, para novos tempos de fraternidade e salvação.[85]

Um guia “atrás do povo”

12.                  É indispensável, outrossim, que o êxodo seja feito junto, conduzido com simplicidade e clareza por quem serve em autoridade na busca do rosto do Senhor como vontade primeira. Convidamos quem é chamado a tal serviço a exercê-lo em obediência ao Espírito, com coragem e constância, a fim de que a complexidade e a transição sejam geridas e o passo não seja atrasado ou parado.
Exortamos a uma liderança que não deixe as coisas como estão,[86] que afaste “a tentação de deixar tudo de lado e de considerar inútil todo e qualquer esforço para melhorar uma situação. Perfila-se, então, o perigo de se criarem admnistradores da rotina, resignados à mediocridade, inibidos para intervir, privados de coragem de apontar as metas da autêntica vida consagrada e correndo o risco e enfraquecer o amor das origens e o desejo de testemunhá-lo”.[87]
Corre o tempo das pequenas coisas, das humildade que sabe oferecer alguns poucos pães e dois peixes à bênção de Deus (cf. Jo 6,9), que sabe divisar na nuvem pequena como a palma da mão o excesso da chuva. Não somos chamados a uma liderança preocupada e admnistrativa, mas a um serviço de autoridade que oriente com clareza evangélica o caminho a fazer juntos e na unidade de coração, dentro de um presente frágil no qual o futuro vive a sua gestação. Não nos serve uma “simples administração”,[88] é preciso “caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que ficaram para trás e – sobretudo – porque o rebanho possui o seu olfato para encontrar novos caminhos”.[89]
Uma liderança que acolha e encoraje com ternura simática os olhares dos irmãos e das irmãs, também daqueles que forçam o passo ou freiam a andadura, ajudando-os a superar pressa, medos e atitudes renunciatárias. Pode haver quem volte ao passado, quem sublinhe com nostalgia as suas diferenças, quem rumine em silêncio ou levante dúvidas acerca da escassez de meios, recursos, pessoas. “Não fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo atual”.[90]
Pode-se perceber o eco do servo de Elias que repete, ao perscrutar o horizonte: “Não há nada”! (1Rs 18,43). Somos chamados à graça da paciência, a esperar e voltar a perscrutar o céu até sete vezes, todo o tempo necessário, a fim de que a caminhada de todos não pare por indolência de alguns: “Para os fracos, fiz-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo. E isto tudo eu faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante” (1Cor 9,22-23).
Seja-nos dado saber orientar a caminhada fraterna para a liberdade segundo os ritmos e os tempos de Deus. Perscrutar juntos o céu e vigiar significa ser chamados todos – pessoas, comunidades, insitutos – à obediência para “entrar em ‘outra’ ordem de valores, captar um sentido novo e diferente da realidade, crer que Deus passou embora não tenha deixado pegadas visíveis, mas o tenhamos percebido como voz de silêncio sonoro,[91] que impele a experimentar uma liberdade impensável, chegar às portas do mistério: “Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são os meus, oráculo do Senhor”[92] (Is 55,8).
Neste êxodo que amedronta a nossa lógica humana – que exigiria metas claras e caminhos experimentados – ressoa uma pergunta: quem fortalecerá os nossos joelhos vacilantes (cf. Is 35,3)?
A ação do Espírito nas situações complexas e bloqueadas faz-se presente no coração como aquela que simplifica, evidencia prioridades e oferece sugestões para prosseguir para as metas a que quer conduzir-nos. É oportuno partir sempre dos sopros de alegria do Espírito, ele “intercede com gemidos inexprimíveis [,,,] pelos santos segundo os desígnios de Deus” (Rm 8,26-27). “Não há maior liberdade do que a de se deixar condizir pelo Espírito, remunciando a calcular e controlar tudo, e permitindo que ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde ele quiser. O Espírito Santo bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento. A isto se chama ser misteriosamente fecundos!”[93]

A mística do encontro

13.                  “Quais ‘sentinelas’ que mantêm vivo no mundo o desejo de Deus e o despertam no coração de tantas pessoas com sede de infinito”,[94] somos convidados a ser buscadores e testemunhas de projetos de Evangelho visíveis e vitais. Homens e mulheres com fé forte, mas também com capacidade de empatia, de proximidade de espírito criativo e criador, os quais não podem limitar o espírito e o carisma nas estruturas rígidas e no medo de abandoná-las.
Papa Francisco nos convida a viver a “mística do encontro”: “A capacidade de ouvir, de escutar outras pessoas. A capacidade de procurar juntos o caminho, o método, [...] significa também não se assustar, não se apavorar com as coisas”.[95]
“Se cada um de vós – continua o Santo Padre – é para os outros uma possibilidade preciosa de encontro com Deus, trata-se de redescobrir a responsabilidade de ser profecia como comunidade, de procurar juntos, com  humildade e com paciência, uma palavra de sentido que pode ser um dom para o país e para a Igreja, e dela dar testemunho de simplicidade. Vós sois como antenas prontas a colher os germes de novidade suscitados pelo Espírito Santo, e podeis ajudar a comunidade eclesial a assumir este olhar de bem e encontrar caminhos novos e corajosos para alcançar todos”.[96]
Um paradigma conciliar foi a solicitude pelo mundo e pelo homem. Dado que o homem – não o homem abstrato, mas o homem concreto – “é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão”,[97] o compromisso para com os homens e as mulheres do nosso tempo permenece primordial. O compromisso é o mesmo de sempre, com uma imaginação sempre renovada:  na educação, na saúde, na catequese, no acompanhamento constante do homem com as suas necessidades, as suas aspirações, as suas perdas. Em seu aspecto físico, na sua realidade social, o homem é o caminho da evangelização. A vida consagrada deslocou-se para as periferias das cidades, realizando um verdadeiro “êxodo” rumo aos pobres, dirigindo-se par ao mundo dos abandonados. Devemos reconhecer a generosidade exemplar, mas também que não faltaram tensões e riscos de ideologização, sobretudo nos primeiros anos pós-conciliares.
“Aquela antiga história do bom samaritano – dizia Paulo VI no discurso de encerramento do Concílio – foi exemplo e norma segundo os quais se orientou o nosso Concílio. Com efeito, um imenso amor para com os homens penetrou totalmente o Concílio. A descoberta e a consideração renovada das necessidades humanas (que são tanto maiores quanto maior se torna o filho desta terra) absorveram toda a atenção deste Concílio. Vós, humanistas modernos, que negais as verdades transcendentes, dai ao Concílio ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós, e  nós mais do que ninguém, somos cultores do homem”.[98]
A nossa missão coloca-se na perspectiva desta “simpatia”, na perspectiva da centralidade da pessoa que saber partir do  humano. Faz emergir toda a riqueza e verdade de humanidade que o encontro com Cristo exige e favorece, ao mesmo tempo que  nos introduz na compreensão de que os recursos eclesiais são importantes justamente enquanto recursos de verdadeira humanidade e de promoção humana.[99] Mas que homem e que mulher temos hoje diante de nós? Quais os desafios e as atualizaçoes necessários para uma vida consagrada que queira viver com o mesmo “estilo” do Concílio, ou seja, em atitude de diálogo e de solidariedade, de profunda e autêntica “simpatia” com os  homens e as mulheres de hoje e a sua cultura, o seu “ouvir” interior, a sua autoconsciência, as suas coordenadas morais?
Movidos pelo Espírito de Cristo somos chamados a reconhecer o que é verdadeiramente humano. A nossa ação não se limita a uma identidade social, semelhante a uma ONG piedosa, como várias vezes o Papa Francisco repetiu, [100] com a finalidade de construir uma sociedade mais justa, mas secularizada, fechada à transcendência e, enfim, também  não justa. Os objetivos de promoção social estão inseridos no horizonte que evidencie e guarde o testemunho do Reino e a verdade do humano.
No nosso tempo, dominado pela comunicação pervasiva e global e, ao mesmo tempo, pela incapacidade de comunicar com autenticidade, a vida consagrada é chamada a ser sinal da possibilidade de relações humanas acolhedoras, transparentes, sinceras. A Igreja, na fraqueza e na solidão alienante e autorreferencial do humano, conta com as fraternidades ricas “de alegria e de Espírito Santo” (At 13,52).[101] Specialis caritatis schola,[102] a vida consagrada, nas suas múltiplas formas de fraternidade, é plasmada pelo Espírito Santo, porque “onde está a comunidade, aí está o Espírito de Deus; e onde está o Espírito de Deus, aí está a comunidade e toda graça”.[103]
Consideremos a fraternidade como lugar rico de mistério e “espaço teologal, onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado”.[104] Percebe-se uma defasagem entre este mistério e a vida cotidiana: somos convidados a passar da forma de vida em comum parra a graça da fraternidade. Da forma comunis para a relacionalidade humana na forma evangélica na força da caridade de Deus derramada nos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5,5).
Papa Francisco nos admoesta: “Por isso me dói muito comprovar como em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calínia, difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo custo, e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos evangelizar com estes comportamentos? [...] Ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado nem por suas proóprias forças. Deus atrai-nos, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe”.[105]
Somos chamados então  a reconhecer-nos como fraternidade aberta para a complementariedade do encontro na convivência das diferenças, para prosseguir unidos: “Uma pessoa que conserva a sua peculiaridade pessoal e não esconde a sua identidade – exorta Papa Francisco –, quando se integra cordialmente numa comunidade não se aniquila, mas recebe sempre novos estímulos para o seu próprio desenvolvimento”.[106] O estilo do “diálogo” que é “muito mais do que a comunicação de uma verdade. Realiza-se pelo gosto de falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras entre aqueles que se amam. É um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que mutuamente se dão no diálogo”.[107] Recordando que “o clima do diálogo é a amizade. Ou melhor, o serviço”.[108]
As nossas fraternidades são lugares nos quais o mistério do humano toca o mistério divino na experiência do Evangelho. São dois os “lugares” em que, de maneira privilegiada, o Evangelho se manifesta, toma corpo, dá-se: a família e a vida consagrada. No primeiro lugar o Evangelho entra na cotidianidade e mostra a sua capacidade de transfigurar a sua vivência no horozinte do amor. O segundo sinal, ícone de um mundo futuro que relativiza todo bem deste mundo, faz-se lugar complementar e especular ao primeiro, enquanto se mostra antecipadamente o cumprimento da caminhada da vida e tornam-se relativas à comunhão final com Deus todas as experiências humanas, também aquelas mais bem-sucedidas.[109]
Tornamo-nos “lugar do evangelho” quando garantimos para nós e a favor de todos o espaço do cuidado de Deus, impedimos que o tempo todo seja cheios de coisas, de atividades, de palavras. Somos lugares de Evangelho, quando somos mulheres e homens de desejo à espera de um encontro, de uma reunião, de uma relação. Por isso é essencial que os nossos ritmos de vida, os ambientes das nossas fraternidades, todas as nossas atividades se tornem espaço de custódia de uma ‘ausência’, que é presença de Deus.
“A comunidade sustém todo o apostolado. Às vezes, as comunidades religiosas são imbuídas por tensões, com o risco do individualismo e da dispersão, mas são  necessárias comunicação profunda e relações autênticas. A força humanizadora do Evangelho é testemunhada pela fraternidade vivida em comunidade, feita de acolhimento, respeito, ajuda recíproca, compreensão, amabilidade, perdão e alegria”.[110] Deste modo a comunidade se torna casa na qual se vive a diferença evangélica. O estilo do Evangelho, humano e sóbrio, se manifesta na busca que aspira à transfiguração; no celibato pelo Reino; na procura e na escuta de Deus e da sua Palavra: obediência que monstra a diferença cristã. Sinais eloquentes num mundo que torna a buscar o essencial.
A comunidade que se senta à mesa e reconhece o Cristo no partir do pão (cf. Lc 24,13-35) é também lugar no qual cada um reconhece as fragilidades. A fraternidade não produz a perfeição nas relações, mas acolhe o limite de todos e o leva no coração e na oração como ferida infligida ao  mandamento do amor (cf. Jo, 13,31-35): lugar onde o mistério pascal realiza a cura e fermenta a unidade. Acontecimentos de graça invocado e recebido por irmãs e irmãos que estão juntos não por escolha, mas por chamado, experiência da presença do Ressuscitado.

A profecia da mediação

14.                  As famílias religiosas nasceram para inspirar caminhos novos, oferecer percursos imprensados ou responder com agilidade às necessidades humanas e do espírito. Pode acontecer que a institucionalização como tempo fique carregada de “prescrições absoletas”[111] e que as exigências sociais convertam as respostas evangélicas em respostas medidas pela eficiência e pela racionalidade “de empresa”. Pode acontecer que a vida consagrada perca a respeitabilidade, a audácia carismática e a parresia evangélica, porque é atraída por luzes estranhas à sua identidade.
Papa Francisco nos convida à fidelidade criativa, às surpresas de Deus: “Jesus Cristo pode romper também os esquemas enfadonhos em que pretendemos aprisioná-lo, e surpreende-nos com a sua constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho, despontam novos caminhos, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual. Na realidade, toda a criação evangelizadora autêntica é sempre ‘nova’”.[112]

Novas encruzilhadas do mundo

15.                  O Espírito nos chama a modular o servitium caritatis segundo o sentir da Igreja. A caridade “empenha-se na construção da ‘cidade do homem’ segundo o direito e a justiça. Por oturo lado, a caridade supera a  justiça e completa-a com a lógica do dom e do perdão. A ‘cidade do homem’ não se move apenas por relações feitas de direito e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão”,[113] e o Magistério nos introduz em uma compreensão mais ampla: “O risco do  nosso tempo é que, à real interdependência dos  homens e dos povos, não corresponda a interação ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar um desenvolvimento verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé,  é possível alcançar objetivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora”.[114]
Outras coordenadas do Espírito nos chamam a reforçar cidadelas nas quais o pensamento e o estudo possam guardar a identidade humana e o seu rosto de graça no fluxo das conexões digitais e dos mundos de network, que exprimem uma condição real e espiritual do homem contemporâneo. A tecnologia  infunde e ao mesmo tempo comunicade necessidades e estimula os desejos que o homem concebeu desde sempre: somos chamados a habitar estas terras inexploradas para narrar aí o Evangelho: “Neste tempo em que as redes e demais instrumentos de comunicação humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e transmitir a ‘mística’ de viver juntos, misturarmo-nos, encontrarmo-nos, darmos o braço, apoiarmo-nos, participarmos nesta maré um pouco caótica que pode transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana solidária, numa peregrinação sagrada.”[115]
Somos convidados a armar ágeis tendas nas encruzilhadas das veredas não batidas, a ficar no limitar, como o profeta Elias, que fez da geografia de periferia um recurso de revelação: para o Norte a Serepta, para o Sul ao Horeb, para o Leste além do Jordão  para a solidão penitencial e, enfim  para a subida ao céu. O limiar é o lugar onde o Espírito geme; onde nós não sabemos mais o que dizer, nem orientar as nossas expectativas, mas onde o Espírito conhece os desígnios de Deus (Rm, 8,27) e os dá a nós. Às vezes corre-se o risco de atribuir às vias do Espírito os nossos mapas já traçados anteriormente, porque a repetição dos caminhos nos tranquiliza. Papa Bento abre para a visão de uma Igreja que cresce por atração,[116] ao passo que Papa Francisco sonha com “uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a quem Jesus favorece a sua amizade”.[117]
A alegria do Evangelho nos pede para estabelecer uma espiritualidade como arte da busca que explora metáforas alternativas, imagens novas e cria perspectivas inéditas. Partir com humildade da ex periência de Cristo e do seu Evangelho, ou seja, do saber experiencial e, muitas vezes, desarmado como o de Davi diante de Golias. O poder do Evangelho, experimentado em nós como salvação e alegria,  nos habilita a usar com sabedoria imagens e símbolos adaptados a uma cultura que fagocita acontecimentos, pensamentos, valores, restituindo-os em contínuos “ícones” sedutores, eco de “uma profunda nostalgia de Deus, que se manifesta de modos diferentes e põe numerosos homens e mulheres em atitude de sincera busca”.[118]
No passado, um dos temas vigorosos da vida espiritual era o símbolo da viagem ou da subida: não ao espaço, mas para o centro da alma. Esse processo místico colocado no fundamento da vida do espírito encontra hoje outras instâncias de valor às quais oferece luz e significado. A oração, a purificação, o exercício das virtudes se relacionam coma solidariedade, a inculturação, o ecumenismo espiritual, a nova antropologia, buscando nova hermenêutica e, segundoa antiga traditio patrística, novos caminhos mistagógicos.
Os consagrados e consagradas,  peritos no Espírito e conscientes do homem interior no qual habita Cristo, são convidados  a se moverem ao longo destes caminhos, opondo-se ao diabólico que divide e separa e libertando o simbólico, ou seja, o primado da ligação e da relação presente na complexidade da realidade criada, “o desígnio de recapitular em Cristo todas as coisas, as do céu e as da terra” (Ef 1,10).
Onde estarão os consagrados? Livres de vínculos por causa da forma evangélica de vida que professam, poderão ficar – como sentinelas – na beira do caminho onde o olhar se faz mais nítido, mais agudo e humilde o pensamento? A vida consagrada toda poderá acolher o desafio das perguntas que vêm dos cruzamentos dos caminhos do mundo?
A experiência dos pobres, o diálogo inter-religioso e intercultural, a complementariedade homem-mulher, a ecologia num mundo doente, a eugenética sem freios, a economia globalizada, a comunicação planetária, a linguagem simbólica são os  novos horizontes hermenêuticos que não se podem simplesmente enumerar, mas são habitados e fermentados sob a guia do Espírito que geme em tudo (cf. Rm 8,22-27). São percursos que de tempos em tempos questionam sistemas de valores, linguagens, prioridades, antropologias. Milhoes de pessoas estão a caminho através de mundos e civilizações, desestabilizando identidades seculares e favorecendo misturas de culturas e de religiões.
A vida consagrada saberá tornar-se interlocutora acolhedora “daquela busca de Deus que desde sempre agita o coração do homem”?[119] Poderá dirigir-se – como Paulo – à praça de Atenas e falar do Deus desconhecido aos gentios (At, 17,22-34)? Saberá alimentar o ardor do pensamento para reavivar o valor da alteridade e da ética das diferenças na convivência pacífica?
Nas suas diversas formas a vida consagrada já está presente nessas encruzilhadas. Há séculos, in primis os mosteiros, as comunidades e as fraternidades em territórios de limite vivem o testemunho silencioso, lugar de Evangelho, de diálogo, de encontro. Muitos consagrados e consagradas, também, habitam o dia a dia dos homens e das mulheres de hoje, compartilham alegrias e dores, na animação da ordem temporal, com a sabedoria e a audácia de “encontrar caminhos novos e corajosos para alcançar todos” em Cristo,[120] e “ir além, não só além, mas mais além e no meio, lá onde tudo está em questão”.[121]
Os consagrados e as consagradas no limiar são chamados a abrir “clareiras”,  omo há muito tempo se abriam espaços no meio das matas para fundar cidades. As consequências de tais escolhas – como sublinha Papa Francisco – são incertas, obrigam-nos sem dúvida a uma saída do centro para as periferias, a uma redistribuição das forças nas quais não predominem a salvaguarda do status quo e a valorização do lucro, mas a profecia das escolhas evangélicas. “O carisma não é uma garrafa de água destilada. É preciso vivê-lo com energia, relendo-o também culturalmente”.[122]

No sinal do pequeno

16.                  Continuamos a nossa viagem tecendo mediações no sinal humilde do Evangelho: “Não perder nunca o ímpeto de caminhar pelos caminhos do mundo, a consciência de que caminhar, andar também com passo incerto ou mancando, é sempre melhor do que estar parado, fechado em suas perguntas ou nas suas seguranças”. [123]
Os ícones que meditamos – desde a nuvem que acompanhava o êxodo atá as vicissitudes do profeta Elias – revelam-nos que o Reino de Deus se manifesta entre nós no s ignodo pequeno. “Acreditamos no Evangelho que diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se desenvolvendo cá e lá, de várias maneiras: como a pequena semente que pode chegar a transformar-se uma grande massa (cf Mt 13,33) e como a boa semente que cresce no meio do joio (cf. Mt 13,24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente”. [124]
Quem se detém na autorreferencialidade, frequentemente, tem imagem e conhecimento apenas de si mesmo e do seu horizonte. Quem se limita à margem pode intuir e favorecer um mundo  mais humilde e espiritual.
Os pequenos novos da fé brotam hoje em lugares humildes, no signo de uma Palavra que, se for ouvida e vivida, leva à redenção. Os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica que realizam escolhas a partir dos pequenos sinais interpretativos na fé e na profecia que sabe intuir o além, tornam-se lugar de vida, onde resplandece a luz e soa o convite que chama outros a seguir a Cristo.
Plantemos um estilo de obras e de presenças pequenas e humildes como e evangélico grão de mostarda (cf. Mt 13,31-32) no qual brilhe sem fronteiras a intensidade do sinal: a palavra corajosa,a fraternidade alegre, a escuta da voz fraca, a memória da casa de Deus entre os homens. É preciso cultivar “um olhar contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca sincera que individuos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido parra a sua vida. Ele vive entre os cidadãos promovendo a solidariedade, a fraternidade, os desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada”.[125]
A vida consagrada encontra a sua fecundidade não apenas ao testemunhar o bem, mas ao reconhecê-lo e saber indicá-lo, especialmente onde não se costuma vê-lo, nos “não cidadãos”,  nos “cidadãos pela metade”, nos “residuos urbanos”,[126] e sem dignidade. Passar das palavras de solidariedade para os gestos que acolham e curem: a vida consagrada é chamada a tal verdade.[127]
Papa Bento já nos exortava: “eu vos convido a uma fé que saiba reconhecer a sabedoria da fraqueza. Nas alegrias e nas aflições do tempo presente, quando a dureza e o peso da cruz são sentidos, não duvideis que a kénosis de Cristo é já vitória pascal. Precisamente no limite e na fraqueza humana somos chamados a viver a conformação com Cristo, numa tensão totalizadora que antecipa, na medida do possível, no tempo, a perfeição escatológica. Nas sociedades da eficiência e do sucesso, a vossa vida marcada pela ‘minoria’ e pela fraqueza dos pequenos, pela empatia com aqueles que não têm voz, torna-se um evangélico sinal de contradição”.[128]
Convidamos a voltar à sabedoria evangélica vivida pelos pequenos (cf. Mt 11,25): “É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida cotidiana, como resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: ‘Filho, enquanto for possível, trata-te bem... Não te prives de um dia feliz’ (Eclo 14,11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras”.[129]
A atual fraqueza da vida consagrada deriva também de ter perdido a alegria das “pequenas coisas da vida”.[130] Na via de conversão, os consagrados e as consagradas poderiam descobrir que o primeiro chamado – recordamos isto na Carta Alegrai-vos – é o chamado à alegria como acolhida do pequeno e busca do bem: “Só por hoje serei feliz na certeza de que fui criado para a felicidade não apenas no outro mundo, mas também neste”.[131]
Papa Francisco nos convida a deixar-nos “conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo, e permitindo que ele  nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde ele quiser. O Espírito Santo bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento”.[132]

Em coro com a statio orante

17.                  O horizonte está aberto, enquanto somos convidados à vigilância orante que intercede pelo mundo. Nela continuamos a divisar pequenos sinais anunciadores de chuva abundante, benéfica sobre a nossa aridez, sussurros leves de uma presença fiel.
A caminhada a fazer para seguir a nuvem nem sempre é fácil. O discernimento às vezes exige longas esperas cansativas. O jugo suave e leve (cf. Mt 11,30) pode tornar-se pesado. O deserto é também um lugar de solidão, de vazio. Um lugar no qual falta o que é fundamental para viver: água, vegetaçaõ, companhia de outras pessoas, calor de um amigo e até mesmo a vida. No deserto cada um toca, no silêncio e  na solidão, a sua imagem mais verdadeira: mede a si mesmo e o infinito, a sua fragilidade como grão de areia e a solidez da rocha como mistério de Deus.
Os israelitas ficavam acampados enquanto a nuvem permanecia sobre a tenda: retomavam a caminhada quando a nuvem se levantava daquela morada. Parar e partir: uma vida guiada, regulada, ritmada pela nuvem do Espírito. Uma vida a viver em vigilante vigília.
Elias, prostrado, esmagado pela dor e pela infidelidade do povo, leva nas costas e no coração o sofrimento e a traição. Ele mesmo se torna oração, súplica orante, seio que intercede. Ao lado dele e por ele o rapaz perscruta o céu, para ver se do mar aparece o sinal de resposta à promessa de Deus.
A vida consagrad no tempo presente é chamada a viver com particular  intensidade a statio da intercessão. Somos conscientes do nosso limite e da nossa finitude, enquanto o nosso espírito atravessa o deserto e a consolação à procura de Deus e dos sinais da sua graça, trevas e luzes. Nesta statio orante se joga a revelde obediência da profecia da vida consagrada que se faz voz de paixão pela humanidade. Plenitude e vazio – como percepção profunda do mistério de Deus, do  mundo e do  humano – são experiências que atravessamos ao longo do caminho com igual intensidade.
Papa Francisco  nos interpela: “Lutamos com o Senhor pelo povo, como Abraão lutou (cf. Gn 18,22-33)? Aquela oração corajosa de intercessão. Nós falamos de parresia, de coragem apostólica, e pensamos nos planos pastorais, o que é bom, mas a mesma parresia é necessária também na oração”. [133]
A intercessão se faz voz das pobrezas humanas, adventus e eventus: preparação para a resposta da graça,  para a fecundidade da terra árida, para a mística do encontro no sinal das pequenas coisas.
A capacidade de sentar-se em coro torna os consagrados e as consagradas não profetas solitários, mas  homens e mulheres de comunhão, de escuta comum da Palavra, capazes de elaborar juntos significados e sinais novos, pensados e construídos também no tempo da perseguição e do  martírio. Trata-se de um caminho para a comunhão de diferenças: sinal do Espírito que sopra nos corações a paixão “para que todos sejam uma só coisa” (Jo 17, 21). Assim se manifesta uma Igreja que – sentada à mesa depois de um caminho de dúvidas e de comentários tristes e sem esperança – reconhece o seu Senhor ao partir o pão (Lc 24,13-35), revestida da essencialidade do Evangelho.



PARA REFLEXÃO

18.  As provocações de Papa Francisco

Quando o senhor quer dar-nos uma missão, quer dar-nos um trablho, prepara-nos para fazê-lo bem”, exatamente “como preparou Elias”. O importante “não é que ele tenha encontrado o Senhor”, mas “todo o percurso para chegar à missão que o Senhor confia”. E justamente “esta é a diferença entre a missão apostólica que o Senhor nos dá e uma tarefa humana, honesta, boa”. Por isso, “quando o Senhor dá uma missão, faz-nos entrar sempre num processo de purificação, num processo de discernimento, num processo de obediência, num processo de oração”.[134]
“Sou dócil, humilde? Naquela comunidade há disputa entre eles pelo poder, disputas por inveja? Existem fofocas? Então não estão no caminho de Jesus Cristo.” A paz numa comunidade, de fato, é uma “peculiaridade muito importante. Muito importante porque o demônio procura dividir-nos, sempre. É o pai da divisão; com inveja, divide. Jesus faz-nos ver esse caminho, o caminho da paz entre nós, do amor entre nós.”[135]
É importante “ter o costume de pedir a graça da memória no caminho que o povo de Deus fez”. A graça também da “memória pessoal: o que Deus fez comigo na minha vida, como me fez caminhar?” É preciso também “pedir a graça da esperança que não é otimismo: é outra coisa”; “pedir a graça de renovar todos os dias a aliança com o Senhor que nos chamou”.[136]
E este “é o nosso destino: caminhar na ótica das promessas, certos de que se tornarão realidade. É bom ler o décimo primeiro capítulo da Carta aos Hebreus, onde se conta a caminhada do povo de Deus para as promessas: como essa gente amava muito essas promessas e as buscava também como o martírio. Sabia que o Senhor era fiel. A esperança nunca desilude. [...] Esta é a nossa vida: crer e pôr-se a caminho” como fez Abraão, que teve “confiança no Senhor e caminhou também nos momentos difíceis”.[137]
Não perder nunca o ímpeto de caminhar pelos caminhos do mundo, a consciência de que caminhar, andar também com o passo incerto ou mancando, é sempre melhor do que estar parado, fechado nas suas perguntas ou nas suas inseguranças. A paixão missionária, a alegria do encontro com Cristo que vos impele a partilhar com os outros a beleza da fé, distante do risco de ficar bloqueados no individualismo.[138]
Os religiosos são profetas. São aqueles que escolheram um seguimento de Jesus que imita a sua vida com obediência ao Pai, a pobreza, a vida de comunidade, a castidade. [...] Na Igreja os religiosos são chamados em particular a serem profetas que testemunhem como Jesus é vivido neste terra, e que anunciem como o Reino de Deus será na sua perfeição. Um religioso nunca deve renunciar à profecia.[139]
Esta é uma atitude cristã: a vigilância. A vigilância sobre si mesmo: o que acontece no meu coração? Porque o meu tesouro está onde o meu coração estiver. O que acontece ali? Os padres orientais dizem que se deve conhecer bem se o meu coração está numa turbulência ou se está tranquilo. [...] Depois, que faço? Procuro compreender o que acontece, mas sempre em paz. Compreender em paz. Depois volta a paz e posso fazer a discussio conscientiae. Quando estou em paz, não há turbulência: “Que aconteceu hoje no meu coraçao?” E isto é vigiar. Vigiar não significa ir à sala de torturas, não! Significa olhar para o coração. Que sente o meu coraçao, o que procura? O que me faz hoje feliz e o que não me faz feliz?[140]
Graças a Deus, vós não viveis nem trabalhais como indivíduos isolados, mas como comunidade: e dai graças a Deus por isto! A comunidade sostém todo o apostolado. Às vezes as comunidades religiosas são atravessadas por tensões, com o risco do individualismo e da dispersão, mas são necessárias comunicação profunda e relações autênticas. A força  humanizadora do Evangelho é fundamentada pela fraternidade vivida em comunidade, feita de acolhimento, respeito, ajuda mútua, compreensão, amabilidade, perdão e alegria.[141]
Sois um fermento que pode produzir um pão bom para muitos, aquele pão do qual se tem tanta fome: a escuta das necessidades, dos desejos, das desilusões, da esperança. Como quem vos precedeu na vossa vocação, podeis devolver esperança aos jovens, ajudar os idosos, abrir caminho para o futuro, difundir o amor em todo lugar e em cada situação. Se isto não acontecer, se faltar testemunho e profecia em vossa vida comum, então, torno a repetir-vos, é urgente uma conversão![142]
Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e que recebe tendo portas abertas, procuremos ser uma Igreja que encontre novos caminhos, que seja capaz de sair de si mesma e ir para quem não a frequenta, qaue saiu dela ou é indiferente. Quem saiu dela, às vezes, o fez por razões que, se bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um retorno. Mas é preciso audácia, coragem.[143]
Na vida consagrada se vive o encontro entre os jovens e os idosos, entre a observância e a profecia. Não as vejamos como duas realidades opostas. Deixemos antes que o Espírito Santo anime ambas, e o sinal disto é a alegria: a alegria de observar, de caminhar numa regra de vida; e a alegria de ser guiados pelo Espírito, nunca rígidos, nunca fechados, sempre abertos à voz de Deus que fala, que abre, que conduz, que nos convida a ir para o horizonte.[144]



AVE, MULHER DA ALIANÇA NOVA
19.                  Caminhar seguindo os  sinais de Deus significa experimentar a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo,[145] centro da vida e fonte das decisões e das obras.[146]
O encontro com o Senhor renova-se cada dia na alegria da caminhada perseverente. “Sempre a caminho com aquela virtude que é uma virtude peregrina: a alegria!”[147]
Os nossos dias invocam a necessidade de vigiar: “Vigilância. É olhar para o coração. Não devemos ser donos do nosso coração. Que sento o meu coração, o que procura? O que me fez feliz hoje e o que não me fez feliz? [...] Isto é conhecer o estado do meu coração, a minha vida, como caminho pela via do Senhor. Porque, se não há vigilência, o coraçao anda por toda parte; e a imaginação vai atras. [...] Estas não são coisas antigas, não são coisas superadas”.[148]
O consagrado se torna memoria Dei, recorda o agir do Senhor. O tempo que nos é dado para caminhar atrás da nuvem que pede perseverança, fidelidade para perscrutar na vigília “como se estivesse vendo o invisível” (Hb 11,27). É tempo da aliança nova. Nos dias do fragmento e da respiração breve, como a Elias nos é pedido para vigiar, perscrutar o céu sem se cansar para divisar a nuvem, do tamanho da palma da mão, conservar a audácia da perseverança e a visão nítida da eternidade. O nosso tempo permanece um tempo de exílio, de peregrinação, na espera vigilante e alegre da realidade escatológica em que Deus será tudo em todos.
Maria “é a nova arca da aliança, perante a qual o coração exulta de alegria, a Mãe de Deus presente no mundo, que não conserva para si esa presença divina, mas oferece-a compartilhando a graça de Deus. E assim – como recita a oração – Maria realmente é causa nostrae laetitiae, a arca em que realmente o Salvador está presente entre nós”. [149]
Ave, Maria, Mulher da Aliança nova, nós te chamos bem-aventurada porque acreditaste (cf. Lc, 1,45) e soubeste “reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto nos grandes acontecimentos como naqueles que parecem imperceptíveis”.[150]
Sustenta a nossa vigília na noite, até as luzes da aurora na espera do dia novo. Concede-nos a profecia que narra ao mundo a alegria do Evangelho, a felicidade daqueles que perscrutam os horizontes de terras e céus novos (cf. 21,1) e antecipam a presença deles na cidade humana.
Ajuda-nos a confessar a fecundidade do Espírito no sinal do essencial e do pequeno. Concede-nos realizar o ato corajoso do humilde para o qual Deus dirige o olhar (Sl 138[137],6) e a quem são revelaqdos os segredos do Reino (cf. Mt 11,25-26), aqui e agora.
Amém.

Vaticano, 8 de fevereiro de 2014
Natividade da Bem-aventurada Virgem Maria

João Braz card. De Aviz
Prefeito

José Rodrigues Carbalho, O.F.M.
Arcebispo Serectário




[1] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), no 20-24.
[2] Ibid., n. 97.
[3] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 84).
[4] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (16 de abril de 2013).
[5] Francisco, Lo Spirito non si addomestica. Meditação matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (17 de abril de 2013).
[6] O termo ’ãnãn está presente 87 vezes no AT, sendo 20 vezes em Êxodo e outras 20 em Núneros. Aparece uma só vez a expressão “coluna de fogo e de núvem” (Ex 14,24); comumente se diz “coluna de nuvem” ou “coluna de fogo”. Ambas as expressões descrevem a manifestação da presença divina.
[7] João XXIII, Discurso de abertura do Concílio Gaudet Mater Ecclesia, Roma (11 de outubro de 1962).
[8] Ibid., n. 4, 6.
[9] João Paulo II, Exortação Apostólica Novo Millennio Ineunte (6 de janeiro de 2001), n. 57.
[10] Francisco, Lo Spirito non si addomestica. Meditação matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (16 de abril de 2013).
[11] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata (25 de março de 1996), . 40.
[12] Cf. Bento XVI, Audiência, Roma (23 de janeiro de 2013).
[13] Cf. Francisco, Audiência aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[14] Cf. Paulo VI, Alocução por ocasião da última seção pública do Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7 de dezembro de 1965).
[15] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 4.
[16] Cf. ibid., n. 9.
[17] Ibid.
[18] Cf. ibid., n. 43-47.
[19] Cf. ibid., cap. V
[20] Cf. ibid., n. 43.
[21] Cf. ibid. n. 44.
[22] Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 2ª.
[23] Cf. ibid. n. 8.
[24] Ibid. n. 10.
[25] Cf. ibid., n. 11.
[26] Código de Direito Canônico, promulgado por João Paulo II (22 de  janeiro de 1983), cânones 604 e 603.
[27] Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 12-14.
[28] Cf. ibid., n. 15
[29] Ibid., n. 18.
[30] João XXIII, Constituição Apostólica Hemanae Salutis de convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II (25 de dezembro de 1961), n. 4.
[31] João XXIII, Carta Encíclica Pacem in terris sobre a paz entre todos os povos (11 de abril de 1963), n. 24-25.
[32]Cf. ibid., n. 45-46.
[33] Cf. ibid., n 67.
[34] Cf. ibid., n. 75.
[35] João Paulo II, Carta Apostólica aos religiosos e religiosas da América Latina por ocasião do V centenário da evangelização do Novo Mundo Los caminos del Evangelio (29 de junho de 1990); Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 82, 86, 89-90.
[36] O primeiro uso oficial do vocabulário “profético” por parte do magistério ocorre no documento: Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, Religiosos e promoção humana (em latim: Optiones evangelicae) (12 de agosto de 1980), introdução e n. 2, 4, 24, 27, 33. Em Vita Consecrata, além dos dois parágrafos específicos (84-85), a terminologia ocorre umas trinta vezes, uma centena se forem contadas as expressões análogas.
[37] Cf. Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares; Sagrada Congregação para os Bispos, Critérios diretivos para as relações mútuas entre bispos e religiosos na Igreja Mutuae Relationes (14 de maio de 1978), n. 12, 19, 51).
[38] Cf., por exemplo, Concílio Vaticano II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes, n 23.
[39] Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica testificatio (29 de junho de 1971)m n. 11, 12, 32.
[40] Ibid., n. 11
[41] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida relgiosa Perfectae caritatis, n. 3.
[42] Cf. Bento XVI, Homilia, Santa missa para a abertura do Ano da Fé, Roma (11 de outubro de 2012).
[43] Paulo Vim Alocução por ocasião da última sessão pública do Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7 de dezembro de 1965).
[44] Concílio Ecumênico Vaticano II, Consituição Dogmática sobre a Igreja Lumen Gentium, n. 44.
[45] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 84
[46] Cf. Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 86.
[47] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), n. 84.
[48] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 5; Constituição Dogmática sobre a divina revelação Dei Verbum, n. 21, 25.
[49] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 84; Carta Apostólica Novo Millenio ineunte (6 de janeiro de 2011), II. “Um rosto a contempla” (n. 16-28), III. “Partir de Cristo” (n. 29-41); Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 12-18); Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução Partir de Cristo. Um renovado compromisso de vida consagrada no terceiro milênio (19 de maio de 2002).
[50] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a divina revelação Dei Verbum, n. 21.
[51] João Paulo II, Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte (6 de janeiro de 2001), n. 39.
[52] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 1.
[53] Ibid. n. 2.
[54] Cf. Pacômio e i suoi discepoli. Regole e Scritti, L. Cremaschi (org.), Magnano, 1988, p. 409.
[55] Basílio, Moralia (PG, 31, 692-869); Regulae fusius tractatae (PG, 31, 889-1052).
[56] Basílio, In /regulas Brevius tractatae (PG, 31, 1052-1305).
[57] Bento, Regra, Prólogo, 9.
[58] Ibid., 1.
[59] Regole monastiche d’Occidente, Magnano 1989, p. 216-217.

[60] Libellus 104, in P. Lippini, San Domenico visto dai suoi contemporanei, Edizioni Studio Domenicano, bologna, 1982, p. 110.
[61] Primeiras constituições ou “Consuetudines”,  n. 31. Por isso “frequentemente, tanto oralmente como por escrito, admoestava e exortava os frades da ordem a estudar continuamente o Novo e o Antigo Testamento. [...] Ele levava sempre consigo o Evangelho de Mateus e as epístolas de Paulo e as estudava tanto que as sabia de cor” (Depoimento de frei João da Espanha, in Domenico di Gusmán. Il carisma della predicazione, introduzione di P. Lippini, EDB, Padova 1993, p. 143).
[62] Regra não bulada, Título: FF 2,2. A Regra bulada inicia com o mesmo teor: “A Regra e a vida dos frades menores é esta: observar o Santo Evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo...” (I, 2: FF 75).
[63] Regra, 1-2: FF 2750.
[64] Regra do Carmelo, c. 10 e 19. Cf. B. Secondin, Uma fraternitá orante e profetica in um mondo che cambia. Rileggere la Regola del Carmelo oggi, Perugia, 2007, p. 8 e 11.
[65] G. Alberione, “Abundantes divitiae gratiae suae”. Storia carismática della Famiglia Paolina, Roma, 1977, n. 93.
[66] Piccola Sorella Magdeleine, II padrone dell’impossibille, Casale Montferrato, 1994, p. 201.
[67] Francisco, Discurso aos Bispos da Conferência episcopal de Madagascar em visita ad limina apostolorum, Roma (28 de março de 2014).
[68] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 85.
[69] Para isso é pode ser útil também ler e assimilar o Catecismo da Igreja Católica, que apresenta uma síntese sistemática e orgânica, na qual emerge a riqueza de ensinamento que a Igreja acolheu, custodiou e ofereceu. “Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologis aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé”. Bento XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei, com a qual se proclama o Ano da Fé (11 de outubro de 2011), n. 11.
[70] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita consecrata (24 de março de 1996), n. 98.
[71] Cf. ibid., n.71.
[72] Francisco, Discurso ao Movimento Apostólico de Cegos (MAC) e à Pequena Missão para surdos-mudos, Roma (29 de março de 2014).
[73] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática obre a divina revelação Dei Verbum, n. 25; João Pualo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 94; Bento XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini (30 de setembro de 2010), n. 86.
[74] Bento XVI, Exostação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini (30 de setembro de 2010), n. 27.
[75] Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Intrução Partir de Cristo. Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio (19 de maio de 2002), n. 22.
[76] Bento XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei, com a qual se proclama o Ano da Fé (11 de outubro de 2011), n. 15.
[77] Paulo VI, Mensagem aos padres conciliares por ocasião do encerramento do Concílio Vaticano II, Roma (8 de dezembro de 1965).
[78] Francisco, Homilia na Festa da Apresentação do Senhor – XVIII Jornada Mundial da Vida Consagrada, Roma (2 de fevereiro de 2014).
[79] Francisco, Homilia para a Vigília Pascal, Roma (30 de março de 2013); “Temos medo das surpresas de Deus! Ele não cessa de nos surpreender! O Senhor é assim. Irmãos e Irmãs, não nos fechemos à novidade que Deus quer trazer à nossa vida”.
[80] A. Spadaro, “Svegliate Il mondo!”. Colloquio di Papa Francisco con i Superiori Generali, in La Civiltá Cattolica, 165 (2014/I), p. 7.
[81] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 83.
[82] Bento XVI, Homilia para a festa da Apresentação do Senhor – XVII Jornada Mundial da vida consagrada, Roma (2 de fevereiro de 2013).
[83] Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostóloica, Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Domine, requiram (11 de maio de 2008), n. 11.
[84] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 235.
[85] Ibid., n. 47
[86] Ibid., n. 25.
[87] Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades da Vida Apostólica, Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Domine, requiram (11 de maio de 2008), n. 28.
[88] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 25.
[89] Ibid., n. 31.
[90] Ibid., n. 108.
[91] Tradução mais literal da brisa suave de 1Rs 19,12.
[92] Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução O serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Dominae, requiram (11 de maio de 2008), n. 7.
[93] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 280.
[94] Francisco, Discurso aos Bispos da Conferência Episcopal do México em visita ad limina apostolorum, Roma (19 de maio de 2014).
[95] Francisco, Discurso aos reitores e aos alunos dos Pontifícios Colégios e Internatos em Roma, Roma (12 de maio de 2014).
[96][96] Francisco, Audiência aos participantes do encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[97] João Paulo II, Carta Encíclica Redemptor hominis (4 de março de 1979), n. 14.
[98] Paulo VI, Alocução por ocasião da último sessão pública do Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7 de dezembro de 1965).
[99] Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, Religiosos e promoção humana (12 de agosto de 1980).
[100] Cf. Francisco, Homilia na santa missa com os cardeais, Roma (14 de março de 2013).
[101] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 45.
[102] Guilherme de Saint-Thierry, De natura et dignitate amoris, 9, 26.
[103] Ireneu de Lyon, Contra as heresias III, 24, I.
[104] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 42; cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 15.
[105] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 100, 113.
[106] Ibid., n. 235; cf. n. 131.
[107] Ibid., n. 142.
[108] Paulo VI, Carta Encíclica Ecclesiam suam (6 de agosto de 1964), n. 90; cf. Francisco, Audiência aos participantes no encontro promovida pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[109] Cf. XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (7-28 de outubro de 2012), Mensagem ao povo de Deus (26/10/2012), n. 7.
[110] Francisco, Discurso aos participantes no Capítulo Geral da Sociedade Salesiana de São João Bosco (Salesianos), Roma (31 de março de 2014).
[111] Concílio Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae caritatis, n. 3.
[112] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 11.
[113] Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate (29 de junho de 2009), n. 6.
[114] Ibid., n. 9.
[115] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 87.
[116] Bento XVI, Homilia na Santa Missa de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Cabirenho no santuário de Aparecida, Brasil (13 de maio de 2007).
[117] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 27.
[118] Bento XVI, Carta ao cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a unidade dos Cristãos, por ocasião do XII Simpósio Intercristão (Salônica, 29 de agosto a 2 de setembro de 2011), n. 2.
[119] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 103.
[120] Francisco, Audiência aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana do Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[121] Ibid.
[122] A. Spadaro, “Evegliate il mondo!’. Colloquio di Papa Francesco com  i superiori Generali, in La Civiltà Cattolica, 165 (2014/I) p. 8.
[123] Ibid.
[124] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 278.
[125] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 71.
[126] Ibid., n. 74.
[127] Cf. ibid.,  n. 207.
[128] Bento XVI, Homilia para a festa da Apresentação do Senhor – XVII Jornada Mundial da vida consagrada. Roma (2 de fevereiro de 2013).
[129] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 4.
[130] Ibid.
[131] João XXIII, Decalogo dela serenitá, in Is Giornale dell’anima, LEV, Città del Vaticano, 2014, p. 217.
[132] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 280.
[133] Francisco, Discurso aos párocos da diocese de Roma (6 de março de 2014).
[134] FRANCISCO, Meditação matutina na Capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (13 de junho de 2014).
[135] FRANCISCO, Meditação matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (29 de abril de 2014).
[136] FRANCISCO, Meditação matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (15 de maio de 2014).
[137] FRANCISCO, Meditação matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (31 de março de 2014).
[138] FRANCISCO, Audiência aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[139] A. Spadaro, Intervista a Papa Francisco, in La Cività Cattolica III (2013, p. 449-477).
[140] FRANCISCO, Discurso aos reitores e aos alunos dos Pontifícios Colégios e Internatos em Roma, Roma (12 de maio de 2014).
[141] FRANCISCO, Discurso aos participantes no Capítulo Geral da Sociedade Salesiana de São João Bosco (Salesianos), Roma (31 de março de 2014).
[142] FRANCISCO, Audiência aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[143] A. Spadaro, Intervista a Papa Francisco, in La Cività Cattolica III (2013, p. 449-477).
[144] FRANCISCO, Homilia na Festa da Apresentação do Senhor – XVIII Jornada Mundial da vida consagrada, Roma )2 de fevereiro de 2014).
[145] BENTO XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei, com a qual se proclama o Ano da Fé (11 de outubro de 2012), n. 2.
[146] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA, Instrução Partir de Cristo, Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio (19 de maio de 2012), n. 22.
[147] FRANCISCO, Audiência aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[148] FRANCISCO, Discurso aos reitores e aos alunos dos Pontifícios Colégios e Internatos de Roma, Roma (12 de maio de 2014).
[149] BENTO XVI, Homilia na festa da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, Castelgandolfo (15 de agosto de 2011).
[150] FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 288.


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CARTA APOSTÓLICA
DO PAPA FRANCISCO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS
PARA PROCLAMAÇÃO DO
ANO DA VIDA CONSAGRADA


Consagradas e consagrados caríssimos!
Escrevo-vos como Sucessor de Pedro, a quem o Senhor Jesus confiou a tarefa de confirmar na fé os seus irmãos (cf.Lc 22, 32), e escrevo-vos como vosso irmão, consagrado a Deus como vós.
Juntos, damos graças ao Pai, que nos chamou para seguir Jesus na plena adesão ao seu Evangelho e no serviço da Igreja e derramou nos nossos corações o Espírito Santo que nos dá alegria e nos faz dar testemunho ao mundo inteiro do seu amor e da sua misericórdia.
Fazendo-me eco do sentir de muitos de vós e da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, por ocasião do quinquagésimo aniversário da Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja, que no capítulo VI trata dos religiosos, bem como do Decreto Perfectae caritatis sobre a renovação da vida religiosa, decidi proclamar um Ano da Vida Consagrada. Terá início no dia 30 do corrente mês de Novembro, I Domingo de Advento, e terminará com a festa da Apresentação de Jesus no Templo a 2 de Fevereiro de 2016.
Depois de ter ouvido a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, indiquei como objetivos para este Ano os mesmos que São João Paulo II propusera à Igreja no início do terceiro milénio, retomando, de certa forma, aquilo que já havia indicado na Exortação pós-sinodal Vita consecrata: «Vós não tendes apenas uma história gloriosa para recordar e narrar, mas uma grande história a construir! Olhai para o futuro, para o qual vos projecta o Espírito a fim de realizar convosco ainda coisas maiores» (n. 110).
– I –
Os objetivos do Ano da Vida Consagrada
1. O primeiro objetivo é olhar com gratidão o passado. Cada um dos nossos Institutos provém duma rica história carismática. Nas suas origens, está presente a acção de Deus que, no seu Espírito, chama algumas pessoas para seguirem de perto a Cristo, traduzirem o Evangelho numa forma particular de vida, lerem com os olhos da fé os sinais dos tempos, responderem criativamente às necessidades da Igreja. Depois a experiência dos inícios cresceu e desenvolveu-se, tocando outros membros em novos contextos geográficos e culturais, dando vida a modos novos de implementar o carisma, a novas iniciativas e expressões de caridade apostólica. É como a semente que se torna árvore alargando os seus ramos.
Neste Ano, será oportuno que cada família carismática recorde os seus inícios e o seu desenvolvimento histórico, para agradecer a Deus que deste modo ofereceu à Igreja tantos dons que a tornam bela e habilitada para toda a boa obra (cf. Lumen gentium, 12).
Repassar a própria história é indispensável para manter viva a identidade e também robustecer a unidade da família e o sentido de pertença dos seus membros. Não se trata de fazer arqueologia nem cultivar inúteis nostalgias, mas de repercorrer o caminho das gerações passadas para nele captar a centelha inspiradora, os ideais, os projectos, os valores que as moveram, a começar dos Fundadores, das Fundadoras e das primeiras comunidades. É uma forma também para se tomar consciência de como foi vivido o carisma ao longo da história, que criatividade desencadeou, que dificuldades teve de enfrentar e como foram superadas. Poder-se-á descobrir incoerências, fruto das fraquezas humanas, e talvez mesmo qualquer esquecimento de alguns aspectos essenciais do carisma. Tudo é instrutivo, tornando-se simultaneamente apelo à conversão. Narrar a própria história é louvar a Deus e agradecer-Lhe por todos os seus dons.
De modo particular, agradecemos-Lhe por estes últimos 50 anos após o Concílio Vaticano II, que representou uma «ventania» do Espírito Santo sobre toda a Igreja; graças ao Concílio, de facto, a vida consagrada empreendeu um fecundo caminho de renovação, o qual, com as suas luzes e sombras, foi um tempo de graça, marcado pela presença do Espírito.
Que este Ano da Vida Consagrada seja ocasião também para confessar, com humildade e simultaneamente grande confiança em Deus Amor (cf. 1 Jo 4, 8), a própria fragilidade e para a viver como experiência do amor misericordioso do Senhor; ocasião para gritar ao mundo com força e testemunhar com alegria a santidade e a vitalidade presentes na maioria daqueles que foram chamados a seguir Cristo na vida consagrada.
2. Além disso, este Ano chama-nos a viver com paixão o presente. A lembrança agradecida do passado impele-nos, numa escuta atenta daquilo que o Espírito diz hoje à Igreja, a implementar de maneira cada vez mais profunda os aspectos constitutivos da nossa vida consagrada.
Desde os inícios do primeiro monaquismo até às «novas comunidades» de hoje, cada forma de vida consagrada nasceu da chamada do Espírito para seguir a Cristo segundo o ensinamento do Evangelho (cf. Perfectae caritatis, 2). Para os Fundadores e as Fundadoras, a regra em absoluto foi o Evangelho; qualquer outra regra pretendia apenas ser expressão do Evangelho e instrumento para o viver em plenitude. O seu ideal era Cristo, aderir inteiramente a Ele podendo dizer com Paulo: «Para mim, viver é Cristo» (Flp 1, 21); os votos tinham sentido apenas para implementar este seu amor apaixonado.
A pergunta que somos chamados a pôr neste Ano é se e como nos deixamos, também nós, interpelar pelo Evangelho; se este é verdadeiramente o «vademecum» para a vida de cada dia e para as opções que somos chamados a fazer. Isto é exigente e pede para ser vivido com radicalismo e sinceridade. Não basta lê-lo (e no entanto a leitura e o estudo permanecem de extrema importância), nem basta meditá-lo (e fazemo-lo com alegria todos os dias); Jesus pede-nos para pô-lo em prática, para viver as suas palavras.
Jesus – devemos perguntar-nos ainda – é verdadeiramente o primeiro e o único amor, como nos propusemos quando professamos os nossos votos? Só em caso afirmativo, poderemos – como é nosso dever – amar verdadeira e misericordiosamente cada pessoa que encontramos no nosso caminho, porque teremos aprendido d’Ele o que é o amor e como amar: saberemos amar, porque teremos o seu próprio coração. Continue lendo...
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Alegrai-vos!

Caríssimos Irmãos e Irmãs,

1. «A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo, nasce e renasce sem cessar a alegria » [1].
O início da Evangelii gaudium soa, na linha do magistério do papa Francisco, com surpreendente vitalidade, apelando ao mistério admirável da Boa-Nova que, ao ser acolhida no coração de uma pessoa, transforma a sua vida. É-nos contada a parábola da alegria: o encontro com Jesus acende em nós a beleza originária, a beleza do rosto no qual resplandece a glória do Pai (cf. 2Cor 4, 6), no frutto da alegria.
Esta Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica convida-vos a refletir sobre o tempo de graça que nos é dado viver, sobre o especial convite que o Papa dirige à vida consagrada.
Acolher tal magistério significa renovar a vida segundo o Evangelho, não no sentido de radicalidade entendida como modelo de perfeição e, muitas vezes, de separação, mas no sentido de adesão toto corde [2] ao encontro de salvação que transforma a vida: « Trata-se de deixar tudo para seguir o Senhor. Não, não quero dizer radical. A radicalidade evangélica não é só para os religiosos: a todos se exige. Mas os religiosos seguem o Senhor de modo especial, de modo profético. Espero de vós esse testemunho. Os religiosos devem ser homens e mulheres capazes de despertar o mundo » [3].
Dentro das limitações humanas, nas preocupações do dia a dia, os consagrados e as consagradas vivem a fidelidade, dão razão da alegria que vivem, convertem-se em testemunho luminoso, anúncio eficaz, companhia e proximidade para com as mulheres e homens do nosso tempo que procuram a Igreja como casa paterna [4]. Francisco de Assis, tomando o Evangelho como forma de vida, « fez crescer a fé, renovou a Igreja; e, ao mesmo tempo, renovou a sociedade, tornando-a mais fraterna, mas sempre com o Evangelho, com o testemunho. Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, pregai-o também com as palavras! » [5].
Muitas são as sugestões que nascem da escuta das palavras do Santo Padre, mas interpela-nos particularmente a simplicidade absoluta com a qual o papa Francisco propõe o seu magistério, conformando-se com a genuinidade desarmante do Evangelho. Palavra sine glossa [6], espalhada com o gesto amplo do bom semeador que, cheio de confiança, não faz discriminação de terreno.
Um convite autorizado que nos é dirigido com plena confiança; um convite a renunciarmos às argumentações institucionais e às justificações pessoais; uma palavra provocadora que questiona o nosso viver, por vezes entorpecido e sonolento, e com frequência indiferente ao desafio: « Se tivésseis fé como um grão de mostarda » (Lc 17, 5). Um convite que nos incentiva a elevar o espírito para darmos razão ao Verbo que habita no meio de nós, ao Espírito que cria e renova constantemente a sua Igreja.
Esta Carta surge a partir deste convite e pretende dar início a uma reflexão partilhada, ao mesmo tempo que se apresenta como simples meio para um confronto leal entre o Evangelho e Vida. Este Dicastério desencadeia assim um percurso comum, lugar de reflexão fraterna, pessoal, institucional, rumo a 2015, ano que a Igreja dedica à vida consagrada. Alimentamos o desejo de que ousadas decisões evangélicas venham a ser postuladas e se produzam frutos de renovação e de fecunda alegria: «O primado de Deus é, para a existência humana, plenitude de significado e de alegria, porque o ser humano é feito para Deus e não descansa enquanto não encontrar nele a paz » [7].

ALEGRAI-VOS, EXULTAI-VOS, REJUBILAI

Alegrai-vos com Jerusalém, rejubilai com ela, vós todos que a amais; regozijai-vos com ela, vós todos que estáveis de luto por ela.
Porque assim diz o Senhor: « Vou fazer com que a paz corra para Jerusalém como um rio, e a riqueza das nações, como uma torrente transbordante. Os seus filhinhos serão levados ao colo e acariciaclos sobre os seus regaços.
Como a mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei: em Jerusalém sereis consolados.
Ao verdes isto, os vossos corações pulsarão de alegria, e os vossos ossos retomarão vigor, como erva fresca. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos ».
Isaías 66, 10.12-14


À escuta

2. Com a palavra alegria (em hebraico: s´imh. â/s´amah. , gyl) a Sagrada Escritura pretende exprimir uma série de experiências coletivas e pessoais, particularmente ligadas ao culto religioso e às festas, e destinadas a reconhecer o sentido da presença de Deus na história de Israel.
Na Bíblia, há treze verbos e substantivos diferentes para descrever a alegria de Deus, das pessoas e da própria criação, no diálogo da salvação.
No Antigo Testamento, é nos Salmos e no profeta Isaías que estes termos aparecem mais vezes. Com uma variação linguística criativa e original, surge com frequência o convite à alegria e proclama-se a alegria da proximidade de Deus, alegria por tudo o que Ele criou e fez. Nos Salmos encontramos, centenas de vezes, as expressões mais eficazes para indicar, juntamente com a alegria, quer o fruto da presença benevolente de Deus e os ecos jubilosos que esta provoca, quer a afirmação da grande promessa que ilumina o horizonte futuro do povo. No que diz respeito ao profeta Isaías, a segunda e a terceira partes do seu livro estão, precisamente, ritmadas por esse frequente apelo à alegria, orientado para o futuro: será superabundante (cf. Is 9, 2); o céu, o deserto e a terra exultarão de alegria (Is 35, 1; 44, 23; 49, 13); os prisioneiros libertados chegarão a Jerusalém, gritando de alegria (Is 35,9s.; 51, 11).
No Novo Testamento, o termo mais frequente está ligado à raiz char (chàireincharà), mas também se encontram outros termos como agalliáomaieuphrosy´ne, que geralmente comportam um júbilo total, abarcando simultaneamente o passado e o futuro. A alegria é o dom messiânico por excelência, como o próprio Jesus promete: «A minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa » (Jo 15, 11; 16, 24; 17, 13). Lucas, a partir dos acontecimentos que antecedem o nascimento do Salvador, assinala o jubiloso difundir-se da alegria (cf. Lc 1, 14.44.47; 2, 10; cf. Mt 2, 10). Esta acompanha a difusão da Boa-Nova como um efeito que se expande (cf. Lc 10, 17; 24, 41.52) e que é sinal típico da presença e implantação do Reino (cf. Lc 15, 7.10.32; At 8, 39; 11, 23; 15, 3; 16, 34; cf. Rm 15, 10-13; etc.).
Para Paulo, a alegria é um fruto do Espírito (cf. Gl 5, 22) e uma nota típica e estável do Reino (cf. Rm 14, 17), que se consolida também através da tribulação e das provas (cf. 1Ts 1, 6). Na oração, na caridade, na constante ação de graças deve encontrar-se a fonte da alegria (cf. 1Ts 5, 16; Fl 3, 1; Cl 1,11s.): nas tribulações, o Apóstolo dos Gentios sente-se cheio de alegria e participante da glória que todos esperamos (cf. 2Cor 6, 10; 7, 4; Cl 1, 24). O triunfo final de Deus e as núpcias do Cordeiro completarão toda a alegria e júbilo (cf. Ap 19, 7), fazendo estalar um Aleluia cósmico (Ap 19, 6).
Vejamos o sentido do texto: « Alegrai-vos com Jerusalém; rejubilai com ela, vós todos que a amais. Regozijai-vos com ela » (Is 66, 10). Trata-se do final da terceira parte do profeta Isaías; os capítulos 65 e 66 de Isaías estão intimamente unidos, completando-se mutuamente, como era evidente já na conclusão da segunda parte de Isaías (capítulos 54 e 55).
Em ambos os capítulos é evocado o passado, por vezes até com imagens cruas: são um convite a esquecê-lo, porque Deus quer fazer brilhar uma nova luz, uma confiança que curará infidelidades e crueldades sofridas. A maldição, fruto da não observância da Aliança, desaparecerá, porque Deus quer fazer de « Jerusalém um motivo de júbilo, e do seu povo uma fonte de alegria » (cf. Is 65, 18). Saberão por experiência que a resposta de Deus virá ainda antes de a súplica ser formulada (cf. Is 65, 24). Este é o contexto que continuará também nos primeiros versículos de Isaías 66, aflorando aqui e além, e evidenciando obtusidade de coração e de ouvidos perante a bondade do Senhor e a sua Palavra de esperança.
É muito sugestiva a imagem de Jerusalém mãe, inspirada nas promessas de Isaías 49, 18-29 e 54, 1-3: a terra de Judá enche-se com os que regressam da dispersão, depois da humilhação. Dir-se-ia que os rumores da « libertação » « engravidaram » Sião de nova vida e esperança. Deus, o Senhor da vida, levará até ao fim a gestação, fazendo nascer sem sofrimento os novos filhos. Assim, Sião-mãe fica rodeada de novos filhos, amamentando-os a todos com abundância e ternura. Uma imagem dulcíssima, fascinante para Santa Teresa de Lisieux, que nela encontrou uma decisiva chave de interpretação da sua espiritualidade [8].
Um conjunto de vocábulos intensos: alegrai-vos, exultaitransbordai; e tambémconsolações, delíciaabundânciaprosperidadecarícias, etc. A relação de fidelidade e de amor tinha falhado, caíra-se na tristeza e na esterilidade; agora, o poder e a santidade de Deus tornavam a dar sentido e plenitude de vida e de felicidade. Estas exprimem-se em termos que têm a sua raiz nos afetos de todo o ser humano, e que provocam sensações únicas de ternura e segurança.
Delicado e verdadeiro perfil de um Deus que vibra com entranhas maternas e com intensas emoções contagiantes; uma alegria vinda do coração (cf. Is 66, 14) que, a partir de Deus – rosto materno e braço que ergue –, e se difunde num povo desfigurado por mil humilhações, e, por isso, com ossos frágeis; uma transformação gratuita que festivamente se estende a « novos céus e nova terra » (cf. Is 66, 22), para que todos os povos conheçam a glória do Senhor, fiel e redentor.

Esta é a beleza

3. « Esta é a beleza da consagração: é a alegria, a alegria... » [9]. A alegria de levar a todos a consolação de Deus. São palavras do papa Francisco no encontro com os seminaristas, os noviços e noviças. « Não há santidade na tristeza » [10], continua o Santo Padre, « não andeis tristes como os que não têm esperança », escrevia São Paulo (1Ts 4, 13).
A alegria não é um adorno inútil, mas exigência e fundamento da vida humana. Nas preocupações de cada dia, todo o homem e mulher procura alcançar a alegria e permanecer nela com todo o seu ser.
No mundo há, muitas vezes, um déficit de alegria. Não somos chamados a realizar gestos épicos nem a proclamar palavras altissonantes, mas a testemunhar a alegria que brota da certeza de sentir-se amado, da confiança de ser salvo.
A nossa memória curta e a nossa experiência fraca impedem-nos muitas vezes de procurar as « terras da alegria », onde saborear o reflexo de Deus. Temos mil e um motivos para viver na alegria. A sua raiz alimenta-se da escuta crente e perseverante da Palavra de Deus. Na escola do Mestre, escuta-se o « esteja em vós a minha alegria e a vossa alegria seja completa » (Jo15, 11), e treinamo-nos com exercícios de alegria perfeita.
«A tristeza e o medo devem dar lugar à alegria: “Alegrai-vos... exultai... transbordai de alegria” – diz o profeta (66, 10). É um grande convite à alegria. […] Cada cristão, mas sobretudo nós, somos chamados a levar esta mensagem de esperança, que dá serenidade e alegria: a consolação de Deus, a sua ternura para com todos. Mas só o poderemos fazer, se experimentarmos, nós primeiro, a alegria de ser consolados por Ele, de ser amados por Ele. […] Existem pessoas consagradas que têm medo da consolação de Deus e se amofinam, porque têm medo dessa ternura de Deus. Mas não tenhais medo. Não tenhais medo. O nosso Deus é o Senhor da consolação, o Senhor da ternura. O Senhor é pai e Ele disse que procederá conosco como faz uma mãe com o seu filho – com ternura. Não tenhais medo da consolação do Senhor » [11].

Ao chamar-vos

4. «Ao chamar-vos, Deus diz-vos: “És importante para mim, Eu amo-te; conto contigo”. Jesus diz isto a cada um de nós! Daqui nasce a alegria! A alegria do momento no qual Jesus olhou para mim. Compreender e sentir isto é o segredo da nossa alegria. Sentir-se amado por Deus, sentir que, para Ele, nós não somos números, mas pessoas; e sentir que é Ele que nos chama » [12].
O papa Francisco leva-nos a olhar para o fundamento espiritual da nossa humanidade, para vermos o que nos é dado gratuitamente por livre soberania divina e livre resposta humana:
« Então Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu: “Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me” » (Mc 10, 21).
O Papa faz memória: «Na Última Ceia, Jesus dirige-se aos Apóstolos com estas palavras:
“Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi” (Jo 15, 16); estas palavras recordam a todos, não só a nós sacerdotes, que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus. Foi Cristo que vos chamou a segui-lo na vida consagrada, e isto significa realizar constantemente um “êxodo” de vós mesmos para centrardes a vossa existência em Cristo e no seu Evangelho, na vontade de Deus, despojando-vos dos vossos projetos, a fim de poderdes afirmar com São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20) » [13].
O Papa convida-nos a uma peregrinação ao passado, um caminho sapiencial para nos encontrarmos nas estradas da Palestina ou junto da barca do humilde pescador da Galileia; convida-nos a contemplar os inícios de um caminho, ou melhor, de um acontecimento que, tendo sido inaugurado por Cristo, nos leva a deixar as redes na margem, o banco dos impostos na beira da estrada, as veleidades do zelote entre as intenções do passado. Todos meios desapropriados para estar com Ele.
Convida-nos a parar algum tempo, como peregrinação interior, diante do horizonte da primeira hora, onde os espaços têm o calor da relação amiga, a inteligência é levada a abrir-se ao mistério, a decisão estabelece que é bom pôr-se no seguimento daquele Mestre que só tem « palavras de vida eterna » (cf. Jo 6, 68). Convida-nos a fazer de toda a « existência uma peregrinação de transformação no amor » [14].
O papa Francisco chama-nos a deter o nosso espírito no fotograma da partida: «A alegria do momento no qual Jesus olhou para mim» [15]; a evocar significados e exigências subentendidos na nossa vocação: «É a resposta a um chamamento, a um chamamento de amor » [16]. Estar com Cristo requer que partilhemos com Ele a vida, opções, obediência de fé, bem-aventurança dos pobres, radicalidade do amor.
Trata-se de renascer vocacionalmente. « Convido todo o cristão […] a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de o procurar dia a dia sem cessar » [17].
Paulo leva-nos a essa visão fundamental: « Ninguém pode pôr outro alicerce diferente do que já foi posto » (1Cor 3, 11). O termo vocação indica este dado gratuito, como um depósito de vida que não cessa de renovar a humanidade e a Igreja no mais profundo do seu ser.
Na experiência da vocação, o próprio Deus é o sujeito misterioso do chamamento. Ouvimos uma voz que nos chama à vida e ao discipulado pelo Reino. O papa Francisco, ao recordá-lo – « tu és importante para mim» –, usa o discurso direto, na primeira pessoa, de modo a que a consciência desperta. Chama-me a ser consciente da minha ideia, do meu juízo, para pedir comportamentos coerentes com a consciência de mim próprio, com o chamamento que sinto, o meu chamamento pessoal: « Gostaria de dizer a quantos se sentem indiferentes a Deus, à fé; a quantos estão distantes de Deus, ou a quem o abandonou; também a nós, com as nossas “distâncias” e os nossos “abandonos” de Deus, talvez pequenos, mas demasiado frequentes na vida quotidiana: Olha no fundo do teu coração, olha no íntimo de ti mesmo e interroga-te: tens um coração que aspira a algo de grande, ou um coração entorpecido pelas coisas? O teu coração conservou a inquietação da procura, ou permitiste que ele fosse sufocado pelos bens que, no fim, o atrofiam? » [18].
A relação com Jesus Cristo precisa de ser alimentada com a inquietação da procura; torna-nos conscientes da gratuidade do dom da vocação e ajuda-nos a justificar as razões que levaram à opção inicial, e que permanecem na perseverança: « Deixar-se conquistar por Cristo significa estar sempre orientado para aquilo que está à minha frente, rumo à meta que é Cristo (cf. Fl 3, 14) » [19]. Permanecer constantemente à escuta de Deus requer que estas perguntas se tornem as coordenadas que marcam o nosso tempo quotidiano.
Este mistério indizível que trazemos dentro de nós e que participa do inefável mistério de Deus só pode ser interpretado à luz da fé: «A fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente, a um Tu que nos chama pelo nome » [20] e, « enquanto resposta a uma Palavra que precede, será sempre um ato de memória; contudo, esta memória não o fixa no passado, porque, sendo memória de uma promessa, torna-se capaz de se abrir ao futuro, de iluminar os passos ao longo do caminho » [21]. «A fé contém precisamente a memória da história de Deus conosco; a memória do encontro com Deus, que toma a iniciativa, que cria e salva, que nos transforma; a fé é memória da sua Palavra que inflama o coração, das suas ações salvíficas, pelas quais nos dá vida, purifica, cuida de nós e alimenta. […] Quem traz em si a memória de Deus, deixa-se guiar pela memória de Deus em toda a sua vida, e sabe despertá-la no coração dos outros » [22]. Memória de ser chamado aqui e agora.

Encontrados, alcançados, transformados

5. O Papa pede-nos para relermos a nossa história pessoal e a verificarmos no olhar de amor de Deus, porque, se a vocação é sempre iniciativa sua, cabe-nos a livre adesão à economia divino-humana, como relação de vida no ágape, caminho de discipulado, « luz no caminho da Igreja » [23]. Na vida no Espírito não há tempos acabados; ela abre-se constantemente ao mistério quando faz discernimento para conhecer o Senhor e captar a realidade a partir dele. Ao chamar-nos, Deus faz-nos entrar no seu repouso e pede-nos que repousemos nele, como contínuo processo de conhecimento de amor. Ecoa em nós a Palavra « andas inquieta e preocupada com muitas coisas » (Lc 10, 41). Na via amoris [24] progride-se renascendo: a velha criatura renasce para uma nova forma. « Por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criatura » (2Cor 5, 17).
O papa Francisco dá um nome a este renascer: « Esta estrada tem um nome, um semblante: o rosto de Jesus Cristo. É Ele que nos ensina a tornarmo-nos santos. É Ele que, no Evangelho, nos indica o caminho: a via das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 1-12). Esta é a vida dos Santos: pessoas que, por amor a Deus, na sua vida não lhe puseram condições » [25].
A vida consagrada é chamada a encarnar a Boa-Nova, no seguimento de Cristo, o Crucificado ressuscitado; a fazer próprio o « modo de existir e de agir de Jesus como Verbo encarnado em relação ao Pai e aos irmãos » [26]. Concretamente, é assumir o seu estilo de vida, adotar as suas atitudes interiores, deixar-se invadir pelo seu espírito, assimilar a sua lógica surpreendente e a sua escala de valores, partilhar os seus risos e as suas esperanças: « Guiados pela certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la » [27].
O permanecer em Cristo permite-nos colher a presença do Mistério que habita em nós e nos dilatar o coração segundo a medida do seu coração de Filho. Quem permanece no seu amor, como o ramo ligado à videira (cf. Jo 15, 1-8), entra na familiaridade com Cristo e produz fruto: « Permanecer em Jesus! Permanecer ligado a Ele, dentro dele, com Ele, falando com Ele » [28].
« Cristo é o selo na fronte, é o selo no coração: na fronte, porque o professamos sempre; no coração, porque o amamos sempre; é o selo no braço, porque atuamos sempre » [29]. A vida consagrada, com efeito, é um constante chamamento a seguir Cristo e a imitá-lo. « Toda a vida de Jesus, a sua forma de tratar os pobres, os seus gestos, a sua coerência, a sua generosidade simples e quotidiana e, finalmente, a sua total entrega, tudo é precioso e fala à nossa vida pessoal » [30].
O encontro com o Senhor põe-nos em movimento, impele-nos a sair da autorreferencialidade[31]. A relação com o Senhor não é estática nem intimista: «Quem coloca Cristo no centro da sua vida, descentraliza-se! Quanto mais te unes a Jesus e mais Ele se torna o centro da tua vida, tanto mais Ele te faz sair de ti mesmo, te descentraliza e abre aos outros » [32]. « Não estamos no centro; estamos, por assim dizer, “deslocados”, estamos ao serviço de Cristo e da Igreja » [33].
A vida cristã é determinada por verbos de movimento, mesmo quando vivida na dimensão monástica e contemplativo-claustral; é uma contínua procura.
« Não se pode perseverar numa evangelização cheia de ardor, se não se estiver convencido, por experiência própria, de que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não o conhecer; não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tateando; não é a mesma coisa poder escutá-lo ou ignorar a sua Palavra; não é a mesma coisa poder contemplá-lo, adorá-lo, descansar nele, ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu Evangelho, em vez de o fazer unicamente com a própria razão. Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena, e, com Ele, é mais fácil encontrar sentido para cada coisa » [34].
O papa Francisco exorta-nos à inquietação da procura, como aconteceu com Agostinho de Hipona: uma « inquietação do coração que o leva ao encontro pessoal com Cristo; que o leva a compreender que aquele Deus que ele procurava longe de si é o Deus próximo de cada ser humano, o Deus próximo do nosso coração, mais íntimo a nós do que nós mesmos ». É uma procura que continua: « Agostinho não se detém, não se acomoda, não se fecha em si mesmo, como aquele que já chegou à meta, mas continua o caminho. A inquietação da busca da verdade, da busca de Deus, torna-se inquietação de o conhecer cada vez mais e de sair de si mesmo para o dar a conhecer aos outros. É precisamente a inquietação do amor » [35].
Na alegria do sim fiel
6. Quem encontrou o Senhor e o segue com fidelidade é um mensageiro da alegria do Espírito.
« Só graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade » [36]. Quem é chamado é convocado para si mesmo, isto é, para o seu poder ser. Talvez possamos dizer que a crise da vida consagrada passa também pela incapacidade de reconhecer esse profundo chamamento, mesmo naqueles que já vivem essa vocação.
Vivemos uma crise de fidelidade, entendida como adesão consciente a um chamamento que é um percurso, um caminho, desde o seu início misterioso até ao seu misterioso fim.
Talvez se esteja também numa crise de humanização. Estamos a viver os limites de uma coerência total, feridos pela incapacidade de realizar, no tempo, a nossa vida como vocação unitária e caminho fiel.
Um caminho quotidiano, pessoal e fraterno, marcado pelo descontentamento, pela amargura que nos fecha na tristeza, como que numa permanente saudade, por estradas inexploradas e sonhos por realizar, torna-se um caminho solitário. A nossa vida, chamada à relação na construção do amor, pode transformar-se numa charneca desabitada. Somos convidados, em qualquer idade, a revisitar o centro profundo da vida pessoal, onde encontram significado e verdade as motivações do nosso viver com o Mestre, discípulos e discípulas do Mestre.
A fidelidade é consciência do amor que nos orienta para o Tu de Deus e para qualquer outra pessoa, de maneira constante e dinâmica, enquanto sentimos em nós a vida do Ressuscitado:
«Os que se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento » [37].
O discipulado fiel é graça e exercício de amor, exercício de caridade oblativa: « Quando caminhamos sem a Cruz, quando edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor » [38].
Perseverar até ao Gólgota, sentir as dilacerações das dúvidas e do renegar, alegrar-se com a maravilha e com a estupefação da Páscoa até à manifestação do Pentecostes e à evangelização aos povos, são etapas da fidelidade alegre porque quenótica, vivida durante a vida inteira, mesmo na prova do martírio e, ao mesmo tempo, participante da vida ressuscitada de Cristo: «É da Cruz, supremo ato de misericórdia e de amor, que se renasce como nova criatura (Gl 6, 15) » [39].
No lugar teologal em que Deus, revelando-se, nos revela a nós mesmos, o Senhor pede-nos, portanto, para voltarmos a procurar, fides quaerens: « Procura a justiça, a fé, o amor e a paz com todos os que, de coração puro, invocam o Senhor » (2Tm 2, 22).
A peregrinação interior começa na oração: «A primeira coisa necessária para um discípulo é estar com o Mestre, ouvi-lo, aprender dele. E isto é sempre válido, é um caminho que dura a vida inteira. […] Se, no nosso coração, não há o calor de Deus, do seu amor, da sua ternura, como podemos nós, pobres pecadores, inflamar o coração dos outros? » [40]. Este itinerário dura a vida inteira, enquanto o Espírito Santo, na humildade da oração, nos convence do senhorio de Cristo em nós: « Todos os dias, o Senhor chamanos a segui-lo, corajosa e fielmente; fez-nos o grande dom de nos escolher como seus discípulos; convida-nos a anunciá-lo jubilosamente como o Ressuscitado, mas pede-nos para o fazermos, no dia a dia, com a palavra e o testemunho da nossa vida, no quotidiano. O Senhor é o único, o único Deus da nossa vida e convida-nos a despojar-nos dos numerosos ídolos e adorá-lo só a Ele »[41].
O Papa apresenta a oração como a fonte da fecundidade missionária: « Cultivemos a dimensão contemplativa, mesmo no turbilhão dos compromissos mais urgentes e pesados. E quanto mais a missão vos chamar para irdes às periferias existenciais, tanto mais o vosso coração se mantenha unido ao de Cristo, cheio de misericórdia e de amor » [42].
O estar com Jesus leva a ter um olhar contemplativo da história, para vermos e escutarmos em toda a parte a presença do Espírito e, de forma privilegiada, discernirmos a sua presença, a fim de vivermos o tempo como tempo de Deus.
Quando falta um olhar de fé, « a vida perde gradualmente sentido, o rosto dos irmãos torna-se opaco, impossibilitando descobrir nele o rosto de Cristo; os acontecimentos da história tornam-se ambíguos, senão mesmo vazios de esperança» [43].
A contemplação abre-nos à atitude profética. O profeta é um homem « que tem os olhos penetrantes e que escuta e diz as palavras de Deus; […] um homem de três tempos: promessa do passado, contemplação do presente, coragem para indicar o caminho do futuro » [44].
Por fim, a fidelidade no discipulado passa e é comprovada pela experiência da fraternidade, lugar teológico, no qual somos chamados a apoiar-nos no sim jubiloso do Evangelho: «É a Palavra de Deus que suscita a fé, que a alimenta e regenera. É a Palavra de Deus que sensibiliza os corações, que os converte a Deus e à sua lógica, que é tão diferente da nossa; é a Palavra de Deus que renova continuamente as nossas comunidades » [45].
O Papa convida-nos, portanto, a renovar e qualificar com alegria e paixão a nossa vocação, porque o ato totalizante do amor é um processo constante: « Amadurece, amadurece, amadurece » [46], num progresso permanente em que o sim da nossa vontade à Sua une vontade, intelecto e sentimento. «O amor nunca está “concluído” e completado; transforma-se ao longo da vida, amadurece e, por isso mesmo, permanece fiel a si próprio » [47].


CONSOLAI, CONSOLAI O MEU POVO

Consolai, consolai o meu povo,

diz o vosso Deus.

Falai ao coração de Jerusalém.

Isaías 40, 1-2



À escuta

7. Com uma peculiaridade estilística, que voltará a encontrar-se mais adiante (cf. Is 51, 17; 52, 1: « Desperta, desperta! »), os oráculos da segunda parte de Isaías (40-55) lançam o apelo a ir em ajuda de Israel exilado, que tende a fechar-se no vazio de uma memória falhada. O contexto histórico pertence claramente à fase do prolongado exílio do povo em Babilónia (587-538 a.C.), com toda a consequente humilhação e o sentido de impotência daí resultante. Todavia, a desagregação do Império Assírio sob a pressão da nova potência emergente, a persa, guiada pelo astro nascente que era Ciro, leva o profeta a intuir que poderia vir daí uma libertação inesperada; o que, de facto, sucederá. O profeta, sob a inspiração de Deus, dá voz pública a essa possibilidade, interpretando os movimentos políticos e militares como ação guiada misteriosamente por Deus através de Ciro, e proclama que a libertação está próxima e o regresso à terra dos pais está iminente.
As palavras que Isaías emprega – consolai... falai ao coração – encontram-se com uma certa frequência no Antigo Testamento; têm especial relevância as passagens onde se encontram diálogos de ternura e afeto. Como quando Rute reconhece que Booz « a consolou e lhe falou ao coração » cf. Rt 2, 12); ou então, na famosa página ele Oséias, que diz à sua esposa (Gomer) querer atraí-la ao deserto para lhe « falar ao coração » (cf. Os 2, 16-17), em ordem a uma nova estação de fidelidade. Mas também há outros paralelismos semelhantes, como o diálogo de Siquém, filho de Hamor, enamorado de Dina (cf. Gn 34, 1-5) ou o do levita de Efraim, que fala à concubina que o abandonou (cf. Jz 19, 3).
Trata-se, portanto, de uma linguagem que deve ser interpretada no contexto do amor, e não do encorajamento; portanto, ação e palavra ao mesmo tempo delicadas e encorajadoras, mas que aludem aos laços afetivos e intensos de Deus, « esposo » de Israel. E a consolação deve ser epifania de uma pertença recíproca, jogo de intensa empatia, de comoção e ligação vital.
Não são, portanto, palavras superficiais e adoçadas, mas Misericórdia e visceralidade, preocupação, abraço que fortalece e paciente proximidade para reencontrar as estradas da confiança.

Levar o abraço de Deus

8. « Hoje, as pessoas precisam certamente de palavras, mas sobretudo têm necessidade de quem testemunhe a misericórdia, a ternura do Senhor que aquece o coração, desperta a esperança, atrai para o bem. A alegria de levar a consolação de Deus! » [48].
O papa Francisco confia aos consagrados e consagradas essa missão: encontrar o Senhor que nos consola como uma mãe, e consola o povo de Deus. Da alegria do encontro com o Senhor e do seu chamamento brota o serviço na Igreja, a missão: levar aos homens e mulheres do nosso tempo a consolação de Deus; testemunhar a sua misericórdia [49].
Na visão de Jesus, a consolação é dom do Espírito, o Paráclito, o Consolador que nos consola nas provas e acende uma esperança que não desilude. Assim, a consolação cristã torna-se conforto, encorajamento, esperança: é presença operante do Espírito (cf. Jo 14, 16-17), fruto do Espírito, e o «fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança » (Gl 5, 22).
Num mundo que vive de desconfiança, de desânimo e depressão, numa cultura em que os homens e mulheres se deixam levar por fragilidades e fraquezas, por individualismos e interesses pessoais, é-nos pedido que introduzamos a confiança na possibilidade de uma felicidade verdadeira, de uma esperança possível, que não se apoie unicamente nos talentos, nas qualidades, no saber, mas em Deus. Todos podem encontrá-lo; basta procurá-lo de coração sincero.
Os homens e mulheres do nosso tempo esperam palavras de consolação, proximidade, perdão, alegria verdadeira. Somos chamados a levar a todos o abraço de Deus, que se inclina sobre nós com ternura de mãe: consagrados, sinal de humanidade plena, facilitadores e não controladores da graça [50], marcados pelo sinal da consolação.

A ternura faz-nos bem

9. Testemunhas de comunhão para além das nossas maneiras de ver e dos nossos limites, somos, portanto, chamados a levar o sorriso de Deus; e a fraternidade é o primeiro e mais credível Evangelho que podemos contar. Pede-se-nos para humanizar as nossas comunidades: « Cuidai da amizade entre vós, da vida de família, do amor entre vós. E que o mosteiro não seja um purgatório, mas uma família. Os problemas existem e existirão, mas como se faz numa família, com amor, procurai uma solução com caridade; não destruais esta em nome daquela; que não haja competição. Cuidai da vida de comunidade, pois quando a vida de comunidade é vida de família, o Espírito Santo encontra-se no seio da comunidade. Sempre com um coração grande. Deixai passar, não vos vanglorieis, suportai tudo, sorri com o coração. E o sinal disto é a alegria » [51].
A alegria consolida-se na experiência da fraternidade, qual lugar teológico, onde cada um é responsável da fidelidade ao Evangelho e do crescimento de cada um. Quando uma fraternidade se alimenta do mesmo Corpo e Sangue de Jesus, reúne-se à volta do Filho de Deus para partilhar o caminho de fé guiado pela Palavra, torna-se uma só coisa com Ele; é uma fraternidade em comunhão, que sente o amor gratuito e vive em festa, livre, alegre, cheia de coragem.
«Uma fraternidade sem alegria é uma fraternidade que se apaga. […] Uma fraternidade rica de alegria é um verdadeiro dom do Alto para os irmãos que sabem pedi-lo e que sabem aceitar-se uns aos outros, empenhando-se na vida fraterna com confiança na ação do Espírito » [52].
No tempo em que a fragmentação leva a um individualismo estéril e de massa, e a fraqueza das relações desagrega e asfixia a atenção pelo humano, somos convidados a humanizar as relações de fraternidade para favorecer a comunhão dos espíritos e dos corações ao estilo do Evangelho, porque « existe uma comunhão de vida entre todos aqueles que pertencem a Cristo. Uma comunhão que nasce da fé » e que faz da « Igreja, na sua verdade mais profunda, comunhão com Deus, familiaridade com Deus, comunhão de amor com Cristo e com o Pai no Espírito Santo, que se prolonga numa comunhão Fraterna » [53].
Para o papa Francisco, o selo da fraternidade é a ternura, uma « ternura eucarística », porque « a ternura faz-nos bem ». A fraternidade tem « uma enorme força de convocação. […] A fraternidade religiosa, mesmo com todas as diferenças possíveis, é uma experiência de amor que ultrapassa os conflitos » [54].

A proximidade como companhia

10. Somos chamados a realizar um êxodo de nós mesmos, num caminho de adoração e de serviço [55]. « Sair pela porta para procurar e encontrar! Ter a coragem de ir contra a corrente dessa cultura eficientista, dessa cultura da rejeição. O encontro e o acolhimento de todos, a solidariedade e a fraternidade, são os elementos que tornam a nossa civilização verdadeiramente humana. Temos de ser servidores da comunhão e da cultura do encontro! Quero-vos quase obsessivos neste aspecto. E fazê-lo sem ser presunçosos » [56].
«O fantasma que se deve combater é a imagem da vida religiosa entendida como refúgio e conforto face a um mundo exterior difícil e complexo » [57]. O Papa exorta-nos a « sair do ninho » [58], para habitarmos na vida dos homens e mulheres do nosso tempo, e a nos entregarmos a Deus e ao próximo.
«A alegria nasce da gratuidade de um encontro! […] E a alegria do encontro com Ele e do seu chamamento faz com que não nos fechemos, mas que nos abramos; leva ao serviço na Igreja. São Tomás dizia: “Bonum est diffusivum sui” (o bem difunde-se). E a alegria também se difunde. Não tenhais medo de mostrar a alegria de haverdes respondido ao chamamento do Senhor, à sua escolha de amor, e de testemunhar o seu Evangelho no serviço à Igreja. E a alegria, a verdadeira alegria, é contagiosa; contagia... faz-nos ir em frente » [59].
Perante o testemunho contagioso de alegria, de serenidade, de fecundidade, o testemunho da ternura e do amor, da caridade humilde, sem prepotência, muitos sentem a necessidade de vir ver [60].
Várias vezes o papa Francisco indicou o caminho da atração, do contágio, como caminho para fazer crescer a Igreja, caminho da nova evangelização. «A Igreja deve atrair. Despertai o mundo! Sede testemunhas de um modo diferente de fazer, de agir, de viver! É possível viver diversamente neste mundo. […] Eu espero de vós um tal testemunho » [61].
Confiando-nos a missão de despertar o mundo, o Papa impele-nos a encontrar as histórias dos homens e mulheres de hoje à luz de duas categorias pastorais, que têm as suas raízes na novidade do Evangelho: a proximidade e o encontro, duas modalidades, através das quais o próprio Deus se revelou na história a ponto de encarnar.
Na estrada de Emaús, como Jesus com os discípulos, acolhamos na companhia quotidiana as alegrias e dores das pessoas, dando « calor ao coração » [62], esperando com ternura os cansados, os fracos, para que o caminho feito em comum tenha em Cristo luz e significado.
O nosso caminho « amadurece até à paternidade pastoral, até à maternidade pastoral e, quando um sacerdote não é pai da sua comunidade, quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os quais trabalha, torna-se triste. Eis o problema. Por isso vos digo: a raiz da tristeza na vida pastoral consiste precisamente na falta de paternidade e maternidade, que vem do viver mal esta consagração; esta, pelo contrário, deve-nos conduzir à fecundidade »[63].

A inquietação do amor

11. Ícones vivos da maternidade e da proximidade da Igreja, vamos ao encontro dos que esperam a Palavra da consolação, inclinando-nos com amor materno e espírito paterno sobre os pobres e os fracos.
O Papa convida-nos a não privatizar o amor, mas, com a inquietação de quem procura, « procurar sempre, sem tréguas, o bem do outro, da pessoa amada » [64].
A crise de sentido do homem moderno e a crise económica e moral da sociedade ocidental e das suas instituições não são um acontecimento passageiro dos tempos em que vivemos, mas desenham um momento histórico de excepcional importância. Somos chamados então, como Igreja, a sair para ir às periferias geográficas, urbanas e existenciais – as do mistério do pecado, da dor, das injustiças, da miséria –, aos lugares recônditos da alma, onde cada pessoa experimenta a alegria e o sofrimento do viver [65].
« Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve é jogado fora […]. Hoje, encontrar um sem-abrigo morto de frio não é notícia ». «A pobreza é uma categoria teologal porque o Filho de Deus humilhou-se, para caminhar pelas estradas. […] Uma Igreja pobre para os pobres começa por dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender qualquer coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor » [66]. Viver a bem-aventurança dos pobres significa ser sinal de que a angústia da solidão e do limite é vencida pela alegria de quem é verdadeiramente livre em Cristo e aprendeu a amar.
Durante a sua visita pastoral a Assis, o papa Francisco perguntava de que devia despojar-se a Igreja. E respondia: «De qualquer ação que não é para Deus, que não é de Deus; do medo de abrir as portas para ir ao encontro de todos, sobretudo dos mais pobres, dos necessitados, dos distantes, sem esperar; certamente, não para se perder no naufrágio do mundo, mas para levar com coragem a luz de Cristo, a luz do Evangelho, também à escuridão, aonde não se vê, aonde pode acontecer que se tropece; despojar-se da tranquilidade aparente que as estruturas oferecem, estruturas certamente necessárias e importantes, mas que nunca devem obscurecer a única verdadeira força que a Igreja tem em si: Deus. Ele é a nossa força! » [67].
Eis um convite a « não ter medo da novidade que o Espírito Santo faz em nós, não ter medo da renovação das estruturas. A Igreja é livre. Condu-la o Espírito Santo. É o que Jesus nos ensina no Evangelho: a liberdade necessária para encontrar sempre a novidade do Evangelho na nossa vida e também nas estruturas. A liberdade de escolher odres novos para esta novidade » [68]. Somos convidados a ser homens e mulheres audazes, de fronteira: «A nossa fé não é uma fé-laboratório, mas uma fé-caminho, uma fé histórica. Deus revelou-se como história, não como um compêndio de verdades abstratas. […] Não é preciso levar a fronteira para casa, mas viver na fronteira e ser audazes » [69].
Juntamente com o desafio da bem-aventurança dos pobres, o Papa convida a visitar as  fronteiras do pensamento e da cultura, a favorecer o diálogo, inclusive a nível intelectual, para darmos razão da esperança, na base de critérios éticos e espirituais, interrogando-nos sobre o que é bom. A fé nunca limita o espaço da razão, mas abre-o a uma visão integral do homem e da realidade, e defende do perigo de reduzir o homem a « material humano » [70].
A cultura, chamada a servir constantemente a humanidade em todas as condições, se for autêntica, rasga caminhos inexplorados, passagens que fazem respirar esperança, consolidam o sentido da vida, conservam o bem comum. Um autêntico processo cultural « faz crescer a humanização integral e a cultura do encontro e do relacionamento; este é o modo cristão de promover o bem comum, a alegria de viver. E aqui convergem fé e razão, a dimensão religiosa com os diferentes aspectos da cultura humana: arte, ciência, trabalho, literatura »[71]. Uma autêntica busca cultural encontra a história e abre caminhos para procurar o rosto de Deus.
Os lugares onde se elabora e comunica o saber são também os lugares onde se cria uma cultura da proximidade, do encontro e do diálogo, abaixando as defesas, abrindo as portas, construindo pontes [72].

PARA REFLEXÃO
12. O mundo, como rede global em que todos estamos integrados, onde nenhuma tradição local pode ambicionar ter o monopólio da verdade, onde as tecnologias têm efeitos que atingem a todos, lança um desafio constante ao Evangelho e a quem vive a vida à maneira do Evangelho.
O papa Francisco está a realizar, neste momento histórico, através de opções e modalidades de vida, uma hermenêutica viva do diálogo Deus-mundo. Introduz-nos num estilo de sabedoria, que, radicada no Evangelho e na escatologia do humano, lê o pluralismo, procura o equilíbrio, convida a habilitar a capacidade de ser responsáveis da mudança, para que a verdade do Evangelho seja comunicada cada vez melhor, enquanto nos movemos « por entre as limitações da linguagem e das circunstâncias » [73] e, conscientes destes limites, cada um de nós se torna « fraco com os fracos... tudo para todos » (1Cor 9, 22).
Somos convidados a cultivar uma dinâmica generativa, não simplesmente administrativa, para acolher os acontecimentos espirituais, presentes nas nossas comunidades e no mundo; movimentos e graça, que o Espírito realiza em cada pessoa, vista como pessoa. Somos convidados a empenhar-nos na desestruturação de modelos sem vida para narrar o humano marcado por Cristo e nunca revelado de forma absoluta nas linguagens e nos modos.
O papa Francisco convida-nos a uma sabedoria que seja sinal de uma consistência dúctil, capacidade dos consagrados de se moverem segundo o Evangelho, de atuarem e fazerem escolhas segundo o Evangelho, sem se perderem nas diversas esferas de vida, linguagens, relações e mantendo o sentido da responsabilidade, dos laços que nos ligam, da restrição dos nossos limites, da infinidade das formas como a vida se exprime. Um coração missionário é um coração que conheceu a alegria da salvação de Cristo e partilha-a como consolação no sinal do limite humano: « Sabe que ele mesmo deve crescer na compreensão do Evangelho e no discernimento das sendas do Espírito, e assim não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de se sujar com a lama da estrada » [74].
Acolhamos as solicitações que o Papa nos propõe para olhar para nós próprios e para o mundo com os olhos de Cristo, e assim ficar inquietos.
As perguntas do papa Francisco
• Queria dizer-vos uma palavra, e a palavra é alegria. Onde estão os consagrados, os seminaristas, as religiosas e os religiosos, os jovens, há sempre alegria, há sempre júbilo! É a alegria do vigor, é a alegria de seguir Jesus; a alegria que nos dá o Espírito Santo, não a alegria do mundo. Há alegria! Mas, onde nasce a alegria? [75].
• Olha no fundo do teu coração, olha no íntimo de ti mesmo, e interroga-te: tens um coração que aspira a algo de grande ou um coração entorpecido pelas coisas? O teu coração conservou a inquietação da procura ou permitiste que ele fosse sufocado pelos bens, que terminam por atrofiá-lo? Deus espera por ti, procura-te: o que lhe respondes? Apercebeste desta situação da tua alma? Ou dormes? Acreditas que Deus te espera ou, para ti, esta verdade não passa de « palavras »? [76].
• Somos vítimas desta cultura do provisório. Gostaria que pensásseis nisto: como posso ser livre, como posso libertar-me desta cultura do provisório? [77].
• Esta é uma responsabilidade, em primeiro lugar dos adultos, dos formadores: dar um exemplo de coerência aos mais jovens. Queremos jovens coerentes? Sejamos nós coerentes! Caso contrário, o Senhor nos dirá o que dizia dos fariseus ao povo de Deus: « Fazei o que dizem, mas não o que fazem! » Coerência e autenticidade! [78].
• Podemos perguntar-nos: eu vivo inquieto por Deus, por anunciá-lo, por dá-lo a conhecer? Ou então deixo-me fascinar por aquela mundanidade espiritual que leva a fazer tudo por amor-próprio? Nós, consagrados, pensamos nos interesses pessoais, no funcionalismo das obras, no carreirismo. Mas podemos pensar em tantas coisas... Por assim dizer, « acomodei-me » na minha vida cristã, na minha vida sacerdotal, na minha vida religiosa, e até na minha vida de comunidade, ou conservo a força da inquietação por Deus, pela sua Palavra, que me leva a « sair » e ir rumo aos outros? [79].
• Como vivemos a inquietação do amor? Cremos no amor a Deus e ao próximo, ou somos nominalistas a este propósito? Não de modo abstrato, não somente pelas palavras, mas o irmão concreto que encontramos, o irmão que está ao nosso lado! Deixamo-nos inquietar pelas suas necessidades, ou permanecemos fechados em nós mesmos, nas nossas comunidades, que com frequência são para nós « comunidades-comodidades »? [80].
• Este é um bom caminho para a santidade! Não falar mal dos outros. « Mas, padre, há problemas... »: di-lo ao superior, di-lo à superiora, ao bispo, que pode remediar. Não o digas a quem nada pode fazer. Isto é importante: fraternidade! Mas diz-me, tu falarás mal da tua mãe, do teu pai, dos teus irmãos? Nunca. E porque o fazes na vida consagrada, no seminário, na vida presbiteral? Só isto: pensai, pensai... Fraternidade! Este amor fraterno! [81].
• Aos pés da cruz, Maria é a mulher da dor e, ao mesmo tempo, da vigilante espera de um mistério, maior que a dor, que está para se cumprir. Tudo parece realmente acabado; toda a esperança poderíamos dizer que se apagou. Também ela, naquele momento, poderia ter exclamado, recordando as promessas da anunciação: não se cumpriram, fui enganada. Mas não o disse. Contudo ela, bem-aventurada porque acreditou, desta sua fé vê brotar um futuro novo e aguarda com esperança o amanhã de Deus. Às vezes, penso: nós sabemos esperar o amanhã de Deus? Ou queremos o hoje? O amanhã de Deus é para ela o amanhecer da Páscoa, daquele primeiro dia da semana. Far-nos-á bem pensar, em contemplação, no abraço do Filho com a Mãe. A única lâmpada acesa no sepulcro de Jesus é a esperança da Mãe, que naquele momento é a esperança de toda a Humanidade. Pergunto a mim e a vós: nos mosteiros, esta lâmpada ainda está acesa? Nos mosteiros, espera-se o amanhã de Deus? [82].
• A inquietação do amor impele-nos sempre a ir ao encontro do outro, sem esperar que seja o outro a manifestar a sua necessidade. A inquietação do amor oferece-nos a dádiva da fecundidade pastoral, e nós devemos perguntar-nos, cada um de nós: como está a minha fecundidade espiritual, a minha fecundidade pastoral? [83].
• Uma fé autêntica exige sempre um desejo profundo de mudar o mundo. Eis a pergunta que nos devemos fazer: temos também nós grandes visões e estímulos? Somos também nós audazes? O nosso sonho voa alto? O zelo devora-nos (cf. Sl 69, 10), ou somos medíocres e satisfazemo-nos com as nossas programações apostólicas de laboratório? [84].

Ave Maria, Mãe da Alegria
13. « Alegra-te, cheia de graça» (Lc 1, 28). «A saudação do Anjo a Maria constitui um convite à alegria, a um júbilo profundo; anuncia o fim da tristeza […]. Trata-se de uma saudação que marca o início do Evangelho, da Boa-Nova » [85].
Junto a Maria, a alegria expande-se: o Filho que traz no seio é o Deus da alegria, do júbilo que contagia, que envolve. Maria abre de par em par as portas do coração e corre para Isabel.
« Feliz de realizar o seu desejo, delicada no seu dever, solícita na sua alegria, apressou-se a dirigir-se para a montanha. Onde, se não para os cimos, devia solicitamente tender aquela que já estava cheia de Deus? » [86].
Dirige-se « apressadamente » (Lc 1, 39) para levar ao mundo o feliz anúncio, a todos a alegria irreprimível que acolhe no seio: Jesus, o Senhor. Apressadamente: não é apenas a velocidade com que Maria se move. Exprime-nos a sua diligência, a atenção solícita com que enfrenta a viagem, o seu entusiasmo.
« Eis a serva do Senhor » (Lc 1, 38). A serva do Senhor corre apressadamente, para se tornar criada dos seres humanos.
Em Maria, é a Igreja toda que caminha junta: na caridade de quem se move ao encontro daquele que é mais frágil; na esperança de quem sabe que será acompanhado neste seu andar, e na fé de quem tem um dom especial a partilhar.
Em Maria, cada um de nós, levado pelo vento do Espírito, vive a própria vocação a ir!

Estrela da nova evangelização, 

ajudai-nos a refulgir

com o testemunho da comunhão,

do serviço, da fé ardente e generosa,
da justiça e do amor aos pobres,
para que a alegria do Evangelho
chegue até aos confins da Terra
e nenhuma periferia fique privada da sua luz.
Mãe do Evangelho vivo,
manancial de alegria para os pequeninos,
rogai por nós.
Ámen. Aleluia! [87]


Roma, 2 de fevereiro de 2014

Festa da Apresentação do Senhor


João Braz Card. de Aviz

Prefeito

José Rodríguez Carballo, O.F.M.

Arcebispo Secretário



[1] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), Cidade do Vaticano, Libreria Editrice Vaticana [LEV], 2013, n. 1.
[2] Com todo o coração (NdE).
[3] Antonio Spadaro, «Sede profetas verdadeiros e não brinqueis a sê-lo: Diálogo do Papa com os Superiores-Gerais dos Institutos de vida religiosa, 29 de novembro de 2013 », inL’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 2, domingo, 9 de janeiro de 2014, p. 8.
[4] Cf. Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 47.
[5] Id., « Anunciai o Evangelho, se necessário também com palavras » – usando a expressão de São Francisco, o Papa confiou a sua mensagem aos jovens reunidos em Santa Maria dos Anjos (Assis, 4 de outubro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 41, domingo, 13 de outubro de 2013, p. 9.
[6] Sem glosa, sem comentário (NdE).
[7] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vida consagrada (25 de março de 1996), n. 27; AAS 88 (1996), pp. 377-486.
[8] Entre outras citações, cf. Santa Teresa do Menino Jesus, Obras completas, Cidade do Vaticano, LEV/Ed. OCD, 1997: Manuscrito A, 76v; B, 1r; C, 3r; Carta 196.
[9] Francisco, « Autênticos e coerentes » – com os seminaristas e as noviças, o papa Francisco fala sobre a beleza da consagração (Roma, 6 de julho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 28, domingo, 14 de julho de 2013, p. 5.
[10] Ibidem, p. 4.
[11] Id., «A evangelização faz-se de joelhos » – na missa conclusiva das jornadas dedicadas aos seminaristas e às noviças no Ano da Fé (Roma, 7 de julho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 28, domingo, 14 de julho de 2013, p. 7.
[12] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 5.
[13] Id., «Um caminho de adoração e serviço » – às Superioras- Gerais, o Pontífice recordou que a consagrada deve ser mãe e não « solteirona » (Roma, 8 de maio de 2013) –, inL’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 19, domingo, 12 de maio de 2013, p. 2.
[14] Id., « Para subir ao monte da perfeição » – mensagem do Pontífice aos Carmelitas, por ocasião do Capítulo Geral (Roma, 22 de agosto de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 37, domingo, 15 de setembro de 2013, p. 5.
[15] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 4.
[16] Ibidem.
[17] Id., Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 3.
[18] Id., «Com a inquietação no coração » – aos capitulares agostinianos, o Sumo Pontífice pediu que se ponham sempre em busca de Deus e do próximo (Roma, 28 de agosto de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 35, domingo, 31 de agosto de 2013, p. 6.
[19] Id., « Caminhos criativos radicados na Igreja » – o papa Francisco com os seus irmãos jesuítas, no dia da memória de Santo Inácio de Loiola (Roma, 31 de julho de 2013) –, inL’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 31, domingo, 4 de agosto de 2013, p. 28.
[20] Id., Carta Encíclica Lumen fidei (29 de junho de 2013), n. 8; AAS 105 (2013), pp. 555-596.
[21] Ibidem, n. 9.
[22] Id., « Memória de Deus » – na missa, na Praça de São Pedro, no dia que lhes é dedicado, o Papa falou da missão do catequista (Roma, 29 de setembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 40, domingo, 6 de outubro de 2013, p. 5.
[23] Id., «Um caminho de adoração e serviço », loc. cit., p. 2.
[24] O caminho do amor (NdE).
[25] Francisco, « Não super-homens, mas amigos de Deus » – no Angelus, no dia de Todos os Santos (Roma, 1 de novembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 45, domingo, 7 de novembro de 2013, p. 8.
[26] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vida consagrada (25 de março de 1996), n. 22; AAS 88 (1996), pp. 377-486.
[27] Francisco, « Nas encruzilhadas das estradas » – aos bispos, sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas, durante as JMJ, o Papa confiou a missão de formar os jovens na fé(Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 31, domingo, 4 de agosto de 2013, p. 12.
[28] Id., «A vocação do ser catequista » – aos catequistas, o Pontífice encorajou a não ter medo de sair de si mesmo para ir ao encontro do próximo (Roma, 27 de setembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 40, domingo, 6 de outubro de 2013, p. 4.
[29] Ambrósio, De Isaac et anima, 75; PL 14, cols. 556-557.
[30] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 265.
[32] Id., «A vocação do ser catequista », loc. cit., p. 4.
[33] Id., « Caminhos criativos radicados na Igreja », loc. cit., p. 28.
[34] Id., Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 266.
[35] Id., «Com a inquietação no coração », loc. cit., p. 6.
[36] Id., Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 8.
[37] Ibidem, n. 1.
[38] Id., «A nossa vida é um caminho » – homilias aos cardeais eleitores (Roma, 14 de março de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 11, domingo, 17 de março de 2013, p. 9.
[39] Id., «A evangelização faz-se de joelhos », loc. cit., p. 7.
[40] Id., «A vocação de ser catequista », loc. cit., p. 4.
[41] Id., « Coerência entre palavra e vida » – em São Paulo Extramuros, o Papa exortou a abandonar os ídolos e a adorar o Senhor (Roma, 14 de abril de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 16, domingo, 21 de abril de 2013, p. 9.
[42] Id., «A evangelização faz-se de joelhos », loc. cit., p. 7.
[43]Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução Repartir de Cristo. Um renovado empenho da vida consagrada no Terceiro Milénio (19 de maio de 2002), n. 25; EnchVat 21, pp. 372-510.
[44] Francisco, «O homem de olho penetrante » – meditação matinal na capela da Casa de Santa Marta (16 de dezembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. típica, segunda e terça-feira, 16-17 de dezembro de 2013, CLIII (289), p. 7. A edição portuguesa não reproduz o texto.
[45] Id., «A atração que faz crescer a Igreja » – encontro com os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os leigos, na catedral de São Rufino (Assis, 4 de outubro de 2013) –, inL’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 41, domingo, 13 de outubro de 2013, p. 6.
[46] Id., « Autênticos e coeremes », loc. cit., p. 5.
[47] Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 17; AAS 98 (2006), pp. 217-252.
[48] Francisco, «A evangelização faz-se de joelhos », loc. cit., p. 7.
[49] ]Cf. Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 4.
[50] Cf. Id., Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 47.
[51] Id., « Para uma clausura de grande humanidade » – recomendações às Clarissas, na Basílica de Santa Clara (Assis, 4 de outubro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 41, domingo, 13 de outubro de 2013, p. 7.
[53] Francisco, «Uma grande família entre o céu e a terra » – na audiência geral, o Papa Francisco falou sobre a comunhão dos Santos (Roma, 30 de outubro de 2013) –, inL’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 44, domingo, 31 de outubro de 2013, p. 16.
[54] Antonio Spadaro, Sede profetas verdadeiros e não brinqueis a sê-loop. cit., pp. 10 e 11.
[55] Cf. Francisco, «Um caminho de adoração e serviço », loc. cit., p. 2.
[56] Id., « Nas encruzilhadas das estradas », loc. cit., pp. 11 e 12.
[57] Antonio Spadaro, Sede profetas verdadeiros e não brinqueis a sê-loop. cit., p. 10.
[58] Cf. Ibidem, p. 9.
[59] Francisco, « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 4.
[60] Cf. Id., «A humildade é a força do Evangelho » – meditação matinal na capela da Casa de Santa Marta (1 de outubro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. típica, quarta-feira, 2 de outubro de 2013, CLIII (225), p. 8. A edição portuguesa não reproduz o texto.
[61] Antonio Spadaro, Sede profelas verdadeiros e não brinqueis a sê-loop. cit., p. 8.
[63] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 5.
[64] Id., «Com a inquietação no coração », loc. cit., p. 6.
[66] Ibidem, p. 11.
[68] Id., « Renovação sem temores » – meditação matinal na capela da Casa de Santa Marta (6 de julho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. típica, domingo, 7 de julho de 2013, CLIII (154), p. 7. A edição portuguesa não reproduz o texto.
[69] Antonio Spadaro, « Entrevista ao papa Francisco », in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 39, domingo, 29 de setembro de 2013, p. 21.
[70] Cf. Francisco, «O apocalipse que não virá » – discurso ao mundo académico e cultural (Cagliari, 22 de setembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 39, domingo, 29 de setembro de 2013, p. 8.
[71] Id., « Favorecer diálogo e encontro » – discurso do Papa à classe dirigente do Brasil(Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 31, domingo, 4 de agosto de 2013, p. 13.
[72] Cf. Id., « Homens de fronteira » – discurso do Papa aos membros equipe da revista La Civiltà Cattolica (Roma, 14 de junho de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 25, domingo, 23 de junho de 2013, p. 13.
[73] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 45.
[74] Ibidem.
[75] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 4.
[76] Id., «Com a inquietação no coração », loc. cit., p. 6.
[77] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 4.
[78] Ibidem, p. 5.
[79] Id., «Com a inquietaçao no coraçao », loc. cit., p. 6.
[80] Ibidem, p. 7.
[81] Id., « Autênticos e coerentes », loc. cit., p. 5.
[82] Id., « Aqueles que sabem esperar » – às monjas camaldulenses, o Papa indicou Maria como modelo de esperança (Roma, 21 de novembro de 2013) –, in L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 48, domingo, 28 de novembro de 2013, p. 5.
[83] Id., «Com a inquietação no coração », loc. cit., p. 7.
[86] Ambrósio, Expositio Evangelii secundum Lucam, II, 19; CCL 14, p. 39.
[87]Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 288.


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Um comentário:

  1. A frase do nº 19 do documento "Perscrutai" ("Não devemos ser donos do nosso coração") estará mal traduzida. Diz exatamente o contrário da versão espanhola e italiana: "Noi dobbiamo essere padroni del nostro cuore".

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